Translate tool

quarta-feira, 16 de março de 2011

Edvirges...

Sentada na soleira da porta, ela passava o dia vigiando as pessoas que ali passavam
E a vida da cidade era como uma grande parada que se descortinava em desfile à sua frente
Contudo, embora nada que se passasse fora de si lhe escapasse,
Tão embebida estava com o alheio
Era cega, surda e muda ao único fato digno de nota naquele hábito:

Fazendo da vida dos outros a sua, transferia a eles o objetivo da sua própria...

Tinha motivos de sobra para rir das situações mais banais, de condenar, comentar
Ser juiz e júri de uma infinidade de casos, todos sob sua onisciente jurisdição
Mas ela mesma não lembrava de quando havia voltado tão judicioso crivo contra si
E não lembrava do último grande amor que teve, se já o teve
Nem nunca permitia-se rir de si própria; tornar-se ela a notícia
Não se arriscaria a ser alvo daqueles que, como ela, também varavam o dia nas janelas

Como sentinelas de um castelo abandonado, eram algozes e vítimas das celas que criaram

Como eles, ela também vivia através da compensação do saber sem vivenciar
E projetava na vida dos que não lhe diz respeito um sentimento de posse, uma legitimidade
Como se fosse sua por direito, embora nada daquilo lhe dissesse respeito de fato
Presa na sua ninharia, naquela cidade com umas poucas ruas, pequena e esquecida
Assim passava os dias, na soleira, testemunha de um drama que não era seu, 
Nem nunca poderia ser
Uma eterna coadjuvante da própria vida na peça que diariamente escrevia...