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domingo, 12 de fevereiro de 2012

Ligando alguns pontos.....

Como tantas vezes afirmei aqui, uma coisa são os fatos em si, outra sua interpretação. Criar um link entre fatos aparentemente independentes justapondo-os em um panorama mais amplo, que não só ajuda a explicá-los como também contribui a uma compreensão em níveis mais profundos do mundo em que vivemos é uma tarefa nobre, embora deva ser embasada em argumentos convincentes. Algumas vezes, esses fatos me aparecem casualmente, e quando menos espero, o lampejo da conexão enter eles se estabelece. Um exemplo?

Vi de relance um link de notícias que falava sobre a liderança da rede Record de tv sobre a Rede Globo, tudo por conta de um seriado sobre Davi... no caso em questão, não o meu nobre amigo trompista pernambucano que está em Salvador-BA, mas o rei bíblico. Há nesses números, claro, aqueles que já abandonaram a audiência servil da rede criada por Roberto Marinho; mas esses, desconfio, tampouco dariam Ibope à Record. Alguns dos comentários que li rapidamente demonstram bem que essa liderança foi obtida porque acertaram em cheio um filão de religiosos evangélicos, que rapidamente abandonam a novela quando o assunto é a bíblia. 

Cansados de perder os lucros exorbitantes com as vendas de cds por conta da internet e dos piratas, empresas como a Som Livre passaram a mirar nesse mesmo público, já que, como se sabe, eles não fazem download dos cds, mas os obtém diretamente nas igrejas. Lucro na certa. E a Globo, da qual a Som Livre faz parte, caiu pra dentro anunciando um festival Gospel no fim do ano passado (que vários amigos meus do curso relataram como um dos eventos mais desafinados dos últimos tempos, musicalmente falando, claro). Além disso, incluíram a cantora Aline Barros, um dos ícones desse nicho no especial de fim de ano da emissora carioca, e o nome de jesus figurou estranhamente entre pagodes e axés, sem nenhuma manifestação de incongruencia aparente.

A mesma Globo, aliás, mostrou com certo ar de otimismo a queda dos diversos governantes que viviam em regimes ditatoriais no norte da África e Oriente Médio, no evento conhecido como primavera árabe. Acontece que os ditadores em questão foram ou estão sendo rapidamente substituídos por líderes religiosos fanáticos, e o fato é que ninguém sabe onde vai parar; e nem se estávamos na panela antes e agora fomos para o fogo ou o contrário. 

E aqui eu arremato pra dizer que esses eventos são didáticos para demonstrar que quando uma ditadura se vai, é preciso estar atento para não cair em outra. Os contra-a-Globo comemoram a sua aparente fragilidade, mas esquecem que o que vem no lugar é uma rede cujos recursos parecem infinitos, e na prática trazem o embrião que tem brotado das formas mais bizarras, como os trízimos, as canetas abençoadas para concursos e as promessas de curas impossíveis e falsas relações de causalidade entre tragédias e comportamentos.

Essa fé cega que se manifesta na comemoração vibrante que seus seguidores fazem a cada aparição pública do nome de seu deus, ou no aumento do número de fiéis como se estivessem num placar pode parecer ingênua e sem propósito, mas não é. Toda religião e por extensão boa parte dos religiosos (e até não religiosos) são unânimes em pedir liberdade de crenças. Mas, se deixadas por sua própria conta, esses movimentos tendem a tentar dominar o ambiente social em que se encontram. Isso porque a quem se considera ungido, abençoado, um militante das causas divinas, não basta apenas que ele acredite ou siga esses ou aqueles preceitos. É preciso que a pseudo vitória total sobre todos os outros seja sua ou da sua igreja, o que dá no mesmo; que no fim, promessas que nada tem de originais e que lhe chegam por centésima mão por manuscritos e reimpressões que foram feitas a pastores e camponeses na Era do Ferro se cumpram, e que então os pseudo justos sejam elevados, o que quer que isso signifique. 

Estou convencido que a natureza do processo religioso é naturalmente seletiva, segregacionista e por isso mesmo, profundamente prejudical ao nosso desenvolvimento como espécie. Católicos criticam evangélicos, que abominam espiritas, e todos juntos odeiam até o último centavo os praticantes de candomblé. E assim por diante. Claro que a liberdade de credo só pode ser garantida por uma entidde independente, de fora desse contexto, para quem não importa o que ou no que você crê, mas sim o que você faz.


Por isso o estado laico é tão importante. Tire isso, e a derrocada de uma rede tradicionalmente sensacionalista como a rede Globo pelo fanatismo dos que vendem canetas Bic como item sagrado troca seis por meia dúzia. Da mesma forma, o apego cego que essas pessoas devotam ao professarem sua fé no imaginário dá a quem controla ou materializa esse imaginário no mundo poderes incalculáveis. Mais um deputado de jesus, e todos aplaudem. Mais uma rede para glória de jesus, idem. E quando tudo estiver cercado, os tais caídos e humilhados serão uma multidão ensandecida, que aprendeu que é certo controlar a vida do outro; que todos devem viver sob as regras biblicas e renderem graças ao seu amigo imaginário, não importa que se diga que vivemos num mundo livre, porque então, a palavra liberdade não terá qualquer sentido. E para espanto dos menos perspcazes, eles farão isso sequer se comoverem, porque acreditam estar certos, e pronto.

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Seremos então uma única nação em cristo, sem ou com uma ciência tão deturpada porque contradiz a bíblia que não terá validade alguma; impedidos de navegar sobre os mares à luz do sol da razão que duramente conquistamos por conta dessas caravelas que preferem viajar sob os nevoeiros sem ver o que está à sua frente. E a cada nau perdida na colisão com os rochedos, uma prece e um aceno, e a conveniente atitude de ovelhas sob o comando do pastor; condenando assim todos nós ao ostracismo.

Não é possível, não nesses dias em que tanto sabemos sobre o que fazemos e onde estamos, que as opiniões dos crédulos impeça a liberdade individual. Cada um de nós que nasce carrega a herança de gerações e gerações de pessoas que como nós, que lutaram, venceram e foram vencidos, mas sobretudo triunfaram sobre seus medos, ou não estaríamos aqui.
É preciso que aprendamos com nosso passado e projetemos a partir desse aprendizado o nosso futuro.



Sinais europeus...

Acompanho de longe (embora não tanto agora) a situação espanhola atual. Em meio à ruína econômica que assola o país, não falta quem diga que o acesso para o caos já era nítido há algum tempo. A forma absurda com a qual o sitema de controle aeroportuário barrava brasileiros de forma completamente arbitrária é um dos pontos chaves para entender o processo. Diariamente, acompanho no noticiário a frequencia assustadora de depoimentos desses brasileiros que demonstram mesmo o uso da força desnecessária, dos quais o caso do violonista e compositor Guinga não é uma das exceções, infelizmente.

Uma sociedade secular, que já foi um dos grandes centros de transmissão cultural do mundo, obviamente não cai por acaso. Para isso, normalmente contribuem o desleixo do poder público com suas obrigações mais básicas, introduzindo o descaso geral como norma. Aos poucos, esses descaso leva ao cada um por si, chegando às raias do desespero quando, numa tentativa de conter a entrada de imigrantes ilegais, chega-se ao cúmulo de nivelar por baixo toda uma nação e seus cidadãos.

Mas a Espanha dá outros sinais externos disso, ao demonstrar que seu sistema judiciário também ameaça desabar. É largamente criticado atualmente o afastamento por incríveis onze anos de Baltazar Galzón, um dos juízes que mais promoveu limpezas dentre os torturadores e evasores de divisas; em outras palavras, exatamente o tipo de pessoa que levou o país ao ponto em que se encontra. Ao condenar o magistrado que ficou famoso por levar o ditador Pinochet aos tribunais, a mensagem que transpassa é de que a justiça como tal já é passado naquele país.

Conheci uma argentina que vivia na Espanha por doze anos. De uma hora pra outra, sem emprego, sem ter onde ir. Como ela, venho conhecendo muitos outros, italianos, turcos, portugueses; viajantes, nômades em sua própria terra, em busca de emprego, de uma vida decente e feliz. O rosto de todos se ilumina quando peço detalhes da sua terra natal, mas o brilho rapidamente se esvai. Só reascende quando falo do Brasil, de como estamos indo, de como lentamente, depois de anos de uma política irresponsável que quase dilapidou nosso patrimonio, parece que estamos relativamente mais coesos do que jamais fomos como nação.

E como deve ter ocorrido em outros tempos, percebo nesse interesse pelo nosso país um eco de um passado não tão distante, em que outros europeus em semelhante estado buscavam melhor sorte num lugar que julgavam quase selvagem, mas rico em oportunidades.