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domingo, 11 de novembro de 2012

ENEM para todos... será?

Acompanhei pela internet que a justiça brasileira permitiu a judeus ortodoxos e adventistas a opção de ficarem confinados no sábado mas só inicirem a prova do ENEM após o pôr do sol. Muita gente deve achar que isso é uma questão de respeito à religião de cada um e que ninguém sai prejudicado. Pessoalmente não penso dessa forma e vou dizer o porquê.
 
A ideia que o Estado é laico não pode ser perdida de vista nunca, por isso talvez seja importante dizer o que isso significa. Em poucas palavras, é a não interferência da religião nas decisões do Estado, seja ela qual for. Não há nada errado em fazer concessões à algumas denominações quando isso não inferir prejuízos aos demais cidadãos. Infelizmente, esse não é o caso de uma prova pública a nível nacional. Nesse tipo de concurso, a lisura do processo deve ser absoluta, e o Estado não pode, sob pretexto nenhum flexibilizar normas para alguns se isso incorrer na possibilidade de fraude.

Para qualquer um que já fez provas, sabe que uma das coisas que garante a isonomia da avaliação é o fato de que todos os candidatos começam a prova no mesmo horário. E há razões práticas pra isso. Mesmo com toda a fiscalização, sabemos que o sistema é falho. Mais de sessenta candidatos foram desclassificados por postarem fotos das provas em redes sociais e isso foi somente os que foram identificados. Segundo as fontes oficiais, os candidatos religiosas beneficiados pela medida ficariam isolados até do início da prova até o pôr do sol, quando iniciariam a sua. Junto de si, poderiam portar somente a Bíblia.

Mas aí começam os problemas: alguém pode garantir que nenhum desses quase noventa mil candidatos em todo país não tinham acesso à internet com celulares escondidos? Não, não pode. E se alguns desses, já sabendo que fariam sua prova depois dos demais tivessem combinado o envio de resultados via sms, isso seria absolutamente detectável? Nem preciso responder. Esse é um dos motivos pelos quais a isonomia não estava garantida na prova do ENEM. O sistema permitiu a brecha para que os muitos candidatos que conseguissem burlar as regras tivessem êxito. E observe que minha argumentação nem é de que isso ocorreu. Sinceramente espero que não. Mas se tivesse ocorrido, foi uma falha desnecessária que o Estado poderia ter evitado se não fosse tão condescendente e influenciado com tudo aquilo que vem da religião. Se a eleição fosse num dia desses, também teríamos que ter horários especiais durante a noite para votar porque algumas crenças julgar pecado apertar um botão durante um dos dias da semana?
 
Além disso, aceita-se com facilidade porque professam o mesmo deus judaico cristão sob os quais boa parte da população brasileira estabeleceu suas crenças. Basta imaginar concessões parecidas à religiões de matiz africanas ou orientais para perceber que nem todos seriam de igual apoio.

Se as pessoas vissem a cidadania e os direitos iguais para todos como uma meta, seria risível permitir uma coisa dessas. Se tivessem o mínimo de consciência a respeito do quão prejudicial é para uma comunidade quando uns são beneficiados em detrimento de outros, esses candidatos que tanto prezam sua religião deveriam ser os primeiros a não concordar com essa medida. A dizer em alto e bom som aos seus pais e professores que não aceitam distorcer as chances ou terem tratamento diferenciado. Que vivemos todos sob o mesmo sol e chuva, todos com nossos problemas, mas que independente da crença que possuímos, maior é a lisura de uma avaliação como essa, que põe em cheque a chance de obter com absoluta justiça uma vaga no sistema de ensino superior. Que para muitas pessoas, essa é a única forma de cursar uma faculdade e não é justo abrir um precedente desse por conta de uma crença sem base alguma. 
 
Se amassem ao outro como a si mesmos, veriam o absurdo que é colocar os seus interesses acima dos demais.

Sobre o tal mensalão...

Desde o começo esse tal julgamento do mensalão me causou estranhesa. A mídia (um eufemismo para seis famílias que decidem o que vai ser publicado e o que não) apoiando em peso foi um sinal disso; a transmissão como se fosse um reality show, que terminou mostrando o baixo nível das nossas excelências, completamente incapazes de arguir sem ofensas mútuas, foi outro.
Usou-se a tal Teoria do domínio do fato para as condenações que, como bem sabe que acompanha as notícias na internet, foi a tábua de salvação da corte, já que não havia provas suficientes. O que ninguém disse é que a tal teoria é de um jurista alemão e cuja aplicabilidade era em regimes totalitários, em especial o nazismo.
Em entrevista publicada na Folha, o próprio juiz de passagem pelo Rio agora repreende o STF por usar equivocadamente a Teoria de sua autoria. Segundo ele:
"A posição hierárquica não fundamenta, sob nenhuma circunstância, o domínio do fato. O mero ter que saber não basta. Essa construção ["dever de saber"] é do direito anglo-saxão e não a considero correta. No caso do Fujimori, por exemplo, foi importante ter provas de que ele controlou os sequestros e homicídios realizados". http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/teorico-do-dominio-do-fato-repreende-stf
O detalhe é que a entrevista estava pronta a duas semanas, e aguardaram para publicar somente depois de terminado as eleições. A sanha de condenação foi alta, mas agora que a eleição já passou, começa-se o desmonte da lona. Uma justiça que condena sem olhar provas e distorcendo fatos é útil para atingir o que os jornais já não conseguem mais. Mas calma aí, porque o próximo que vem na esteira é dos nossos e ninguém vai querer o patrão na berlinda, vai?