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terça-feira, 24 de julho de 2012

A ilusão em "Smile"

Charles Chaplin (à esquerda sem maquiagem em 1920 e à direita no personagem que o consagrou)



"Sorri... vai mentindo a tua dor. E ao notar que tu sorri
Todo mundo irá supor que és feliz."

Eu sempre vi na letra de Smile uma divagação sobre o dilema do palhaço, que tem de fazer os outros  rirem, mesmo que esteja dilacerado por dentro. Vou usar essa ideia de ponto de partida, embora eu saiba que essa música não se preste como exemplo do que quero falar.
...

Ninguém gosta de sofrer, e nem preciso dizer que isso é fato. É uma sensação que ninguém deseja, mas que às vezes me faz pensar que algumas pessoas chegam a extrapolar esse sentimento, chegando a achar que ele não existe. Aqueles que aderem a esse pensamento podem ser identificáveis através de mensagens e dizeres que eu chamo excessivamente positivas. Mas existe positivo demais? Sem dúvida alguma. E isso é ruim? Péssimo.

Pessoas que tendem a esse comportamento às vezes não dão tempo ao tempo para pensarem profundamente sobre suas vidas. Estão sempre "pra cima", sempre dizendo que não se importam com "o que vem de baixo", e não vêem problema em consolar ou aconselhar o outro que sofre da mesma forma. "Ele não te merece", "ela está num lugar melhor agora", "foi melhor assim", e por aí vai. O que acontece é que isso pode ter o efeito contrário do que se deseja, e fazer com que a pessoa ali diante delasacabe parecendo estar melhor, parecendo ter superado, parecendo estar feliz. Uma tentativa vã de não parecer frágil aos olhos de quem parece tão alheio ao que se sente.

Não há, nesse mundo inteiro, prisão pior do que o fingimento. Pretender algo que você não consegue ser, não deseja e acima de tudo, não quer. Você pode esconder dos outros o que de fato você está pensando e sentindo por um bom tempo (ou uma vida toda) com uma boa dose de sucesso; algumas pessoas se tornam muito boas nisso. Mas você não vai poder esconder isso daquele travesseiro que te aguarda todas as noites na cama, nem do espelho que passa a vida esperando os outros passarem diante de si para que sua existência tenha sentido.

Com a melhor das intenções, temos a vontade de consolar um amigo que sofre e nos esquecemos do básico: se você perdeu alguém da família, se perdeu o emprego ou ele é um espinho dolorido e te causa dissabores um atrás do outro, ou ainda se seu relacionamento acabou, saiba que não existe consolo. Não naquele momento. Não no agora. As coisas levam tempo para se ajeitar e faz parte do processo da vida. Não fique enchendo os bolsos de escritores de auto-ajuda lendo "O Segredo" [de eu ter ficado rico sem fazer nada], "Quem mexeu no meu queijo?", nem "Homens são de Saturno, Mulheres são de Vênus" (ou algo assim). E não impinja isso aos outros, desmerecendo o sentimento honesto com palavras que o banalizam; querendo-os fazer acreditar que o sofrimento alheio é uma demonstração de fraqueza.

Se alguém sofre, é importante que procure um amigo de verdade para estar perto. Para falar do que sente sem ser interrompido por "não fica assim", "isso é bobagem" ou outras pérolas do ramo da literatura dos rasos. Esteja com alguém que sente do seu lado sem te julgar, que ponha a mão no seu ombro, te abrace e, mesmo, que chore com você. Que esteja disponível vez por outra ao menos para um momento verdadeiro num mundo tão superficial. E se você não é a pessoa que sofre, tente ser isso para alguém que você gosta e que passa por isso.

Lembre que rir e chorar é parte do que somos, parte da roda da vida. Voltar a sorrir sinceramente, e não para agradar um interlocutor insensível, demanda tempo e reflexão. Às vezes, tudo o que você precisa para encontrar sua alegria é não fingi-la num momento inapropriado. Cruzar o vale de lágrimas com certeza não é bom, mas é honesto se é como se sente. É ser humano o suficiente para admitir suas fraquezas ao menos para você mesmo e aprender a se ver no outro que sofre. E se precisar de ajuda profissional, procure-a pois isso não te faz menor. Se entender que alguém precisa disso, sugira.

Estar ao lado de alguém dessa forma é especialmente revelador, porque não basta recitar frases de efeito. Você tem de se abrir de verdade e buscar uma conexão mais profunda que a verbal. Não se espante porque a maioria das pessoas que conhece vão sumir nesses momentos; é uma atitude madura perceber, por outro lado, que é injusto exigir isso de qualquer pessoa. Mas para aqueles que são capazes, não há nesse planeta inteiro sensação melhor nem de maior confiança na nossa humanidade que olhar pra trás e perceber aquela presença firme e sincera quando todo o resto parecia instável.

Palavras voam com vento; atitudes ficam para sempre.