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terça-feira, 9 de agosto de 2011

Contrapontos

Acordei inspirado. Clicando aqui e ali, dei de cara com isso:

"A maior aventura de um ser humano é viajar,
E a maior viagem que alguém pode empreender
É para dentro de si mesmo.
E o modo mais emocionante de realizá-la é ler um livro,
Pois um livro revela que a vida é o maior de todos os livros,
Mas é pouco útil para quem não souber ler nas entrelinhas
E descobrir o que as palavras não disseram..."

Isso é, como não poderia deixar de ser, Augusto Cury. Mas, como eu disse, estava inspirado e normalmente assim, meu humor está em alta. Resolvi dar um voto de confiança e fui clicando em textos aleatórios até achar um que me dissesse algo.
Encontrei esse:

"O homem não consegue ficar de mãos abanando, contemplando o seu destino neste mundo, sem ficar desvairado. Por isto inventa formas de tirar sua mente deste horror. Trabalha, diverte-se. Acumula aquele grotesco nada, chamado propriedade. Persegue aquela piscadela esquiva da fama. Constitui uma família e dissemina a sua maldição sobre ela. E, todo o tempo, a coisa que o move é o desejo de se perder de si mesmo, de se esquecer de si mesmo e de escapar à tragicomédia que é ele próprio. Fundamentalmente, a vida não vale a pena ser vivida. Assim, ele cria artificialidades para fazê-la parecer que vale. E também por isto erige uma espalhafatosa estrutura para esconder o fato de que ela não vale."

Isso é H.L. Mencken, me lembrando do quanto é importante termos a palavra negro após a palavra humor. E lembro de ter pensado "eu tentei, Augusto... eu tentei". A diferença principal entre esses escritos é que no primeiro caso, temos o que eu chamo às vezes de literatura água com açucar. Você termina de ler e está exatamente como estava quando começou, só que mais entediado. A tautologia, o raciocínio circular, a rima fácil, os jargões banais sobre a vida, etc. por outro lado, o segundo texto trás algo que incomoda, ou desassossega para citar Fernando Pessoa (de cuja frase título esse blog usa, aliás). A vida não vale a pena ser vivida? Como assim? Se é assim, porque o escritor se dá ao trabalho de estar escrevendo? Mais do que isso, porque estaríamos nós aqui então? Você vai com o senso comum quando diz que a vida é o maior de todos os livros, mas considerar que ele ainda assim pode estar em branco na sociedade em que vivemos exige uma mente robusta pra não ficar achando Mencken um pessimista paranóico e sem sentido.


E ocorreu-me agora que a diferença básica na linguagem de cada um está ironicamente contida no texto do outro; a "viagem" que Cury propõe como maior aventura representa bem esse desejo de perder-se de si mesmo e escapar da tragicomédia que somos, especialmente para os que pautam seu comportamento por palavras de ânimo como algumas pessoas tanto parecem precisar ("você é especial", "o universo conspira ao seu favor", etc.). Ler as estrelinhas de Mencken, por outro lado, não é fácil fazê-lo e dá trabalho, mas nada seria mais útil em nossa futilidade contemporânea.

Brainstorm...1.

Às vezes eu fico tentado a publicar nesse blog posts somente sobre música, que é a minha vida. Mas então, eu penso na vida em si. E penso que a compreensão da música como fenômeno ou mesmo atividade passa pela compreensão do que a vida é. Mais do que isso, a própria natureza da expressão artística engloba compreender o que somos e onde vivemos.

Um exemplo disso é o espectro visível das cores. Observe essa figura.


Nela estão contidas as cores que podemos enxergar a olho nu. Isso que dizer que esse é um pequeno extrato de um continuo maior, e que para além de um extremo e do outro da barra não conseguimos ver. Termos como ultravioleta e infravermelho (grifos meus, obviamente) refletem frequências além desses extremos, e que são, por isso mesmo consideradas invisíveis.


Agora, quer uma coisa pra ficar pensando? Durma com isso: nada tem cor por natureza. Tudo o que vemos, seja uma pintura (um Rembrandt ou o desenho do seu sobrinho de dois anos, tanto faz), uma laranja, um carro, a palma da sua mão; nada disso tem cor por si. Tudo isso absorve determinadas faixas de frequencia da luz que incide sobre ela e reflete uma; essa é a cor que vemos. Isso quer dizer que basta você virar o rosto e sua bela cozinha de granito, mármore e o diabo "perde" todas as características visuais que podem ter lhe feito ficar horas escolhendo no catálogo.

Mas é mais do que isso: quer dizer que todo nosso esforço para ser compreendido em termos de textura (como no caso da pintura e escultura) usa meios que contraria nossa intuição, porque é dificil imaginar que um quadro cujo pintor passou semanas escolhendo cuidadosamente as relações de cor, "perdem" imediatamente essas características assim que alguém tira a vista dele. Agora, o que isso quer dizer? O que expressar-se através de materiais e texturas que podem ser tão relativisadas na visão de cada um diz sobre o que somos?

Não tenho certeza sobre isso, mas parece-me que tudo o que vemos são tentativas de tentar entender o que compõe esse nosso mundo. Cores "frias", "quentes", "profundas", etc, nada mais são que meios fisicos limitados que servem como a porta de entrada da nossa imaginação para essa incrível busca do que somos.