Translate tool

segunda-feira, 11 de abril de 2011

A tragédia no Rio e outras coisas...

Muito se falou daquilo que foi com certeza uma das coisas mais marcantes na mídia atual; o assassinato de crianças completamente indefesas e inocentes por um desequilibrado armado. E o paradoxal é que por mais que se fale, não é possível encontrar um argumento que justifique a barbárie. Você nunca imagina que aquele seu vizinho calado e sem amigos vai um dia virar capa das revistas e jornais do país por uma coisa dessas; nem que os repórteres virão até seu portão querendo saber sobre como ele era, o que fazia, e você só vai poder dizer coisas triviais: que quase não tinha contato, que não imaginava isso, que ontem mesmo viu ele no mercado...

As notícias sobre quem esse assassino era são desencontradas em geral, mas sabe-se que era ex-aluno da escola e que sofria bulling; que, ao que tudo indica, tinha sérios problemas de relacionamento; era de família evangélica, mas sua carta denota traços que tinha conhecimento da doutrina islâmica e que passada o dia no computador; e que adquiriu as armas por pífios R$ 260,00. O rapaz era psicótico e tinha histórico familiar; não chegava atrasado no serviço nunca e, embora não falasse com as pessoas que não eram da sua religião, os vizinhos o consideravam tranquilo. A sensação de insegurança cresce nesses momentos, por que o perigo vem de onde você não espera; de onde não há como defender, como uma bomba escondida que explode sem nenhum aviso. Não pude deixar de pensar nos homens bombas e em atentados dessa natureza.

Por falar em natureza, não há dúvidas pra mim que a religião ofereceu a ele um arcabouço conceitual para justificar suas atrocidades; sua carta demonstra bem o quão alucinado ele estava por um ideal de "pureza", de castidade, de ritos e atos com clara conotação espiritualista. Claramente ele acreditava em deus, e pessoalmente não tenho dúvidas que a crença em uma vida após a morte foi um dos fatores que o fez abreviar a sua aqui (e a de outras pessoas). Provavelmente, em seu pensamento insano, ele achou que reveria todos do outro lado, pediria desculpas, e tudo ficaria bem. Diria às suas vítimas que sente muito, quase que "foi mal", mas que não estava de posse do seu juízo; porém tinha a certeza que seria perdoado, ou ao menos se preocupava com isso. Sua carta é taxativa ao pedir um fiel seguidor de deus para ir uma vez à sua sepultura orar por ele. E termina a carta passando uma lição de moral em todos falando em respeitar os pais. O cara que matou a sangue frio meninos e especialmente meninas só sabia falar de deus e de seres puros e impuros. E aí, Datena, esse cara tinha deus no coração. Vai dizer o que agora? Me desculpem quem não concorda, mas a religião operou sim em transformar um transtornado mental num assassino.

Como já comentei outras vezes aqui, eu sempre penso "e se nada disso for real?" Se essas vidas tiradas foram todas em vão sobre o que ele próprio achava? E se, a partir do momento em que foi alvejado pelo PM, seu corpo acelerou o processo de decomposição em que todos nós caminhamos desde que nascemos e a luz dos seus olhos apagou-se pra não mais acender? Sem tunel de luz, portais, anjos, fumaças, vozes... simplesmente o vazio de quem dorme sem jamais acordar. Não é preciso continuar muito nessa linha pra saber que, se aceitarmos isso, então toda morte de qualquer natureza, mas especialmente a de cunho religioso é uma tremenda e grotesca ode à ignorância.

Isso porque, no fundo, ninguém sabe de nada. Jesus, o filho de deus? Buda, o iluminado? Maomé, o profeta? Ora, por favor... o que falta às pessoas para perceberem que todo esse escopo religioso baseia-se numa longa tradição oral... e só! Não há uma única evidência independente de nada disso. A corda de salvação dessas pessoas é a "revelação pessoal". Uma revelação que pode ser tão boa quanto ruim (porque muito provavelmente, esse cara teve uma revelação também) e que, no final das contas, é imprecisa porque nossa própria natureza é imprecisa. Não percebemos o mundo como ele é, mas como nossos corpos evoluíram ao longo de milhares de anos para percebê-lo.

O que é mais desconcertante na história desse rapaz perturbado é saber que no fundo, seus atos pareciam justificáveis pra ele; mesmo que pedisse perdão, o que demonstra certa consciência do que faria, parecia achar-se imbuído de uma verdade que só era revelada para ele. Isso ferra o juízo de qualquer um. Se ele fosse um cidadão sem tantas neuras, a ausência de senso crítico que sua educação religiosa o habituou ("acreditar porque sim", "o pastor/rabi/padre falou então deve ser verdade", "está na biblía então é verdade incontestável", "não preciso justificar minha crença", etc), provavelmente não faria vítimas dessa forma. Mas nem sempre as pessoas estão em seu juízo normal, e nessas horas, faz toda a diferença se você acredita que existem escolhidos e uma vida eterna ou se somos só nós por nossa conta e risco, com a escolha em nossas mãos de fazermos dessa vida o melhor que pudermos.


...