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sexta-feira, 12 de agosto de 2011

O grande saltador.

Sai pra caminhar dia desses e sentei-me numas pedras à beira mar. O vento era ameno e de calmo, quase não havia ondas no mar. De repente, daquela imensidão escura salta um pequeno peixe fazendo uma curta peripécia no ar para novamente mergulhar no silêncio. E de uma coisa assim simples me ocorreu uma série de pensamentos e paralelos; de onde ele veio e pra onde foi? Do mar seria a resposta óbvia. 

Claro, eu não pensava mais naquele peixe em específico, mas no paralelo com as nossas vidas. Em como ela pode caber dentro de um curto espaço de tempo, em que emergimos do nada, criamos nossa própria peripécia e sumimos no silêncio novamente. E no arco que compomos nessa trajetória do momento em que nos tornamos visíveis no nascimento até nosso fim, ocorre-me que é dele que tiramos todas as nossas conclusões sobre o que veio antes e o que virá depois. 

Apesar de existir pessoas que afirmam conhecer o que chamam vidas passadas, é fato que nenhuma delas pode provar o que quer que aleguem, e o argumento da experiência pessoal é inútil nesse caso, como demonstra uma visita a qualquer hospício mais próximo. Uma vez mais, não custa lembrar que acreditar no que achamos que somos nada tem a ver com o que somos de fato. 

A maioria das religiões concentram-se no depois, mas com histórias tão desprovidas de evidências quanto a do papai noel.  E como, em ambientes desprovidos das luzes e efeitos especiais fica impossível demonstrar que alguém já voltou efetivamente para dizer o que quer que seja, ficamos assim com esse nosso estrito lampejo de consciência que temos e chamamos vida. Tomamos consciência dela em plena manobra e nossa experiência comparativa demonstra através de quem nos precedeu que nosso tempo aqui não é nada mais que isso; um lampejo.

Sem saber se existiu um antes, e pior ainda, se existirá um depois, não foram poucas as pessoas que usaram a nossa curiosidade a esse respeito como base para o controle e o domínio de uma massa de semelhantes pela ferramenta mais poderosa nesse caso: o medo, puro e simples. Assim, poucas pessoas controlam através de preceitos discutíveis, o comportamento de uma gigantesca quantidade de pessoas, que muitas vezes alegremente abrem mão da própria paz nesse nosso curto "vôo no ar" em favor de uma promessa feita com base em nada.

Mas, até que se prove o contrário (o que eu não apostaria), esse salto é tudo o que temos. É nele que nos conhecemos indivíduo; tomamos conhecimento dos outros, somos crianças, meninas e meninos, adultos e anciões. É nele que nossa vida se completa em contato com outras vidas e estabelecemos nossas relações; amamos, odiamos, e respiramos para também sermos amados e odiados; choramos e rimos, em proporções diferentes às vezes. Nesse espaço de tempo, somos livres, pois voamos sem amarras, embora tenham nos feito acreditar no contrário por tempo demais. Somos seres independentes, paradoxais porque em constante construção intelectual, mas ao mesmo tempo, acabados e dotados de todas as ferramentas para atingi-la desde nosso nascimento; como Saramago diz, nosso cérebro é de tal ordem que leva tudo dentro. 

Algumas pessoas realizam saltos prodigiosos e inscrevem-se decisivamente na história dos que lhe são próximos e o observam. Esses permanecem vivos na memória dos que o acompanharam, e sua lembrança perdura por muito tempo, mesmo quando sua presença não é mais que um traço no passado distante. Alguns aproveitam a luz do sol que os banha por um curto período e brilham ainda mais, tocando as pessoas à sua volta com uma luz ainda mais terna e precisa. E tal como as estrelas, sua luz continua brilhando mesmo quando a sua fonte parece ter se apagado. Gestos como esse são mais que suficientes para fazer toda essa aventura incerta e desconhecida ter valido à pena.

Então faça dessa sua trajetória o que lhe apetecer. Realize que você é livre, e será. E acima de tudo, aproveite o seu salto.

Grande abraço.


Em memória do Milton, um dos maiores saltadores que conheci.