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terça-feira, 30 de agosto de 2011

A despedida...

Tantos anos na empresa o tinham feito esquecer-se do quanto dela esteve presente em sua vida. Em seu último dia, ele foi recebido no portão como de costume; passe privilegiado, a saudação habitual. Com a documentação assinada, ele caminhou lentamente pelos prédios e viu pessoas nos afazeres do dia a dia; afazeres que se algum dia foram seus, hoje fazem parte do seu passado e lhe são completamente alheios. A visão de lugares ali o fez lembrar de situações que viveu, com seus altos e baixos. Os momentos afloram indo e vindo na memória com aquele local como palco; tantas alegrias e as incontáveis vezes em que seu riso correu solto contrastam com algumas das grandes decepções que teve, os dias mais sombrios...

Mas ele sequer pensa nisso agora. Seus passos já vão longe e o vemos caminhando indo rever os colegas que com ele trabalharam e lhe organizaram uma despedida singela mas sincera. Ali despediu-se de algumas das melhores pessoas que já teve o prazer de conhecer em toda vida, muitos dos quais desconhecem seu verdadeiro potencial, como elefantes que cresceram amarrados a um cepo sem poder se soltar, e quando adultos, mesmo atados a cadeiras, desistem de tentar a liberdade.

O dia já ia adiantado, o sol caminhava para o poente. Apesar de todos os passos terem sido feitos, parecia faltar algo. E antes que seu pensamento realizasse, seus pés já estavam a caminho do lugar. Encontrou o garoto no local de sempre, usando óculos e aparelho, sempre lendo mas, por sua ingenuidade, sempre alvo de gozações dos demais. Apesar disso o outro nunca se zangava e respondia com um sorriso estampado. Todas as vezes que trabalharam juntos, o garoto sempre lhe tinha sido solicito, reservado e responsável. Mas, além disso, seu interesse por leitura fez com que ambos compartilhassem quase sempre boas conversas que o destacaram dos demais. Agora já diante dele, entendeu a mão e disse "estou indo embora, passei para me despedir". O sorriso e a interjeição de surpresa foram a resposta, com um "puxa, fico feliz". "É", voltou ele, "passei para dizer também que continue assim, que estude, que busque o seu melhor... se houvessem mais pessoas aqui como você, minha vida teria sido muito melhor aqui dentro". A surpresa tornou-se emcabulação, e o garoto sempre alvo de risos teve seus olhos rasos d'água por um instante pelo reconhecimento assim direto. Despediram-se, ele saiu dali e deu uma última olhada em tudo, nas coisas e pessoas banhadas pelo sol amarelado do poente e disse consigo "é isso, está feito!".

Entrou no carro, girou a chave e conduziu lentamente em direção ao portão. Não havia saudades, nem tristezas, nem receios e seu rosto estampava um leve sorriso. Passou pelo portão pela última vez como um empregado respeitável do local. Se alguma vez tiver que voltar ali, será como um anônimo sem quaisquer privilégios, nem ser chamado de senhor, e cuja identificação não será diferente de qualquer passante que queira entrar. Mas nada disso desfaz o sorriso insistente nos lábios.

De carona no carro, levava apenas um leve receio, que no entanto, desceu na primeira curva logo após o bambuzal e dali observou o carro acelerar mais e mais, como o sorriso que se abria no rosto do condutor, e sumindo no horizonte juntamente com a última réstia de sol. Estava feito, e nada podia pará-lo.