Translate tool

terça-feira, 25 de maio de 2010

Música em quatro pontos...

Como boa parte dos músicos que conheço, sempre tive que enfrentar perguntas desconcertantes sobre a minha profissão; se dá dinheiro, se o que faço é só "tocar" o dia todo (acompanhado do "pa-ra-rá-pá-pá" com a boca aumenta exponencialmente o efeito), porque isso é tão importante e porque você precisa estudar tanto enquanto fulano faz isso bem sem nem pegar no instrumento direito e tem tempo pra uma série de outras coisas... boa parte delas eu ouvia da minha própria família, às vezes.

Reconheço que pode não ser fácil para quem nunca teve contato com o ensino de música entender o que faço; também reconheço que pode haver uma tentação de "pôr no mesmo saco" a grande variedades de profissionais ou não que trabalham com música. Entretanto, ausência de informação não é desculpa para não aprender sobre algo; pelo contrário, deve servir de incentivo.

1) Esqueça a velha retórica que música é um "dom" cuja compreensão é para uns poucos geneticamente agraciados. O talento nato é tão importante em música quanto em matemática, por exemplo, e isso não quer dizer que só quem tem esse pretenso "dom" aprende matemática. Está comprovado cientificamente que qualquer pessoa com boa vontade , disciplina e orientação adequada pode aprender a ouvir e tocar música. Se você tem vontade de aprender e boa disciplina mas não consegue sair dos mesmos três acordes no teclado, talvez seja hora de achar um professor de verdade... isso me leva ao ponto 2;

2) É comum ouvir dizer que fulano aprendeu sozinho e já dá aulas de música... dependendo de onde você mora, cuidado. Conheço um monte de escolas de música que não são escolas, nem sabem de música. E se o local onde você mora não tem muito acesso a informação, pode ser um problema a mais. Tal como  achar profissionais em qualquer outra área, um pedreiro, mecânico ou médico, informação e pesquisa criteriosa  são fundamentais para encontrar um bom professor de música. Esse cuidado não é exagero nem preciosismo... embora algumas pessoas não acreditem, tocar bem é uma coisa e saber ensinar é outra;

3) Um professor atualizado com as pesquisas mais recentes em aprendizagem musical sabe que  existem meios e ferramentas diversas para demonstrar e tornar acessível o conhecimento a todo tipo de pessoa. Algumas pessoas tem realmente maior aptidão natural para certas coisas, mas via de regra, mesmo elas têm muito o que desenvolver, porque entender o processo musical envolve uma complexidade de fatores, de cognição a coordenação psicomotora, de domínio técnico a compreensão profunda das variadas matizes de interpretar a música que se ouve e faz. Se um bom profissional de ensino pode levar a realização de um sonho pessoal para muitos, um mal ao contrário pode inadvetidamente criar traumas e bloqueios de aprendizagem, passando por lesões e dores motivados por prática incorreta e chegando mesmo a afastar pessoas talentosas do processo musical. Certo, mas para que tudo isso?

4) Música não deve ser encarada como um artefato elitizado, um luxo ou pior, uma prática superficial e sem importância. Se pensar bem, vai perceber que ver uma orquestra tocar é uma experiêcia única, um acontecimento que não volta mais do passado em que se encontrará em seguida. Uma apresentação sem precedente (porque não há duas execuções iguais, mesmo que seja feita pelo mesmo grupo e com a mesma música), circunscrita num dado período de tempo e local e que condensa uma forma refinada de compreensão das coisas que nos rodeiam. A relaçao delicada entre os instrumentos de uma orquestra, uma banda, uma tribo, enfim, expõe a nossa própria delicadeza, nossa inventividade, nosso conhecimento.

Ser músico é antes de tudo, ser um pesquisador das motivações pessoais do porque vale a pena insistir tanto em nós mesmos quando o mais fácil seria desistir. Sim, eu sei, se tivesse falado essa, eu não conseguiria repetir nem a pau... mas, de fato, assim é.

Nenhum comentário: