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segunda-feira, 11 de julho de 2011

Contos suiços...

Um africano do Senegal, dois italianos, sendo um pedreiro e outro vendedor ambulante, dois andarilhos vienenses em excursão, um casal de chineses, uma boliviana que vive com as filhas na França, um alemão que ronca, um romeno com uma pronúncia arrastada, um suiço especializado na história do cinema e que passa o dia em frente ao notebook, um ucraniano em busca de trabalho e estudos, um brasileiro...

A pensão abriga a todos, estando a quinhentos metros da principal estação da cidade, de onde os trens vão e vem interligando uma infinidade de destinos, levando e trazendo sonhos e sonhadores sobre os trilhos. Alguns dos que ali param são movidos por um planejamento cuidadoso de tempos atrás; outros são levados por um impulso de descer no primeiro lugar que acordassem. E assim é que numa semana como qualquer outra, com chuva e sol intercalados, pessoas de diferentes lugares do planeta se encontraram involuntariamente sob o mesmo teto durantes alguns dias, que é o tempo suficiente para que suas vidas se cruzem e alterem-se mutuamente.

O africano quase sempre é quem quebra o gelo inicial, seja porque é o mais extrovertido e comunicador, seja porque fala a maior quantidade de idiomas do grupo, interligando pessoas à sua volta. Normalmente passa com fluência do italiano ao francês, vai ao senegalês e volta ao inglês com uma habilidade invejável. É ele quem dá aulas de informática ao vendedor italiano que não fala outro idioma que o seu próprio, mantém a conversação com seus colegas africanos, embora eles sejam minoria, é o primeiro a dar as boas vindas ao brasileiro em inglês, explica como é a Suiça ao ucraniano.

Os italianos são os mais animados e, embora poucos entendam o que falam, todos quase sempre riem. São gestos, caras e bocas... o ucraniano, por outro lado é calado, e demora mais tempo a se integrar. Com um inglês tropeçado ele será mais próximo do africano e do brasileiro praticamente o tempo todo. Suas tentativas de comunicação com a boliviana são frustradas quando percebem que os idiomas que dominam não conferem uns com os outros. Ela fala em espanhol com as filhas e francês com o africano. Apesar disso, conversa pouco, e só nos últimos dias avisa que está indo a Barcelona. Suas meninas são muito quietas e quase ninguém ouve suas vozes, com exceção delas mesmas quando brincam cochichando em espanhol...
O suiço vem do norte de seu país, tem aparência doentia que é reforçada por passar o dia em frente ao computador. Não fala com ninguém da pensão, até que troca duas palavras com o brasileiro por mera insistência desse, e seu mundo se abre; estuda a história do cinema e passa o dia trabalhando na frente do notebook. Tem pouco interesse em trivialidades, acha o atual superficial. Mas o atual é tudo no que pensa o pedreiro italiano, que vem de seu país de tempos em tempos em busca de trabalho. Suas roupas são surradas, levanta religiosamente às quatro da manhã e some, voltando somente à noite. Sua aparencia demonstra a sua absoluta necessidade de tal vida, que ignora de onde veio e menos ainda o que fará quando essa obra acabar.

Em algumas tardes, reina um silêncio imperioso, quando quase num movimento combinado, todos saem. Mas à noite, ao redor da tv, amontoam-se para comer e ver o jornal em italiano, traduzido especialmente pelo africano aos menos favorecidos no idioma de Verdi e Puccini. Há uma troca rápida de experiencias diárias, onde nem sempre todos se entendem plenamente; alguns nitidamente fingem fazê-lo.


Perto do fim da semana, o brasileiro retorna com a notícia que passou na prova que foi fazer, e é saudado por quase todos como se sua família fossem; como se fossem amigos a uma longa data e já não pudessem passar um sem a compania dos outros. Os rostos felizes demonstram a estranha mas profunda experiência de alegrar-se com a vitória de alguém que vai sumir em breve na próxima curva do tempo, sem deixar rastro para a maioria dos demais. Mas assim é.

Malas são feitas, uns vão saindo, outros chegando. Na despedida, apertos de mão, abraços tímidos mas de uma cumplicidade velada, de quem compartilha os mesmos genes. De quem sabe o que é sofrer ou se calar diante do que não se compreende, mas também do que é sorrir diante da felicidade. Seja da sua, seja dos outros, ainda que distantes ou sequer se conheçam. Dessa felicidade que por vezes, por ser tão negada a alguns é extremamente festejada na realização de quem quer que seja, porque nos diz que ainda resta esperança, que o sol brilha por sobre as nuvens mesmo que não o vejamos...


Um comentário:

Rute disse...

Gostei muito do conto...principalmente so sucesso do brasileiro e da alegria e soplidariedade dos demais.