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sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Os "deixa disso"


Basta um rasante por nossa história para constatar que a contemporaneidade de cada época é marcada entre outras coisas, pelo embate entre o novo e o velho, o inovador e o mais do mesmo. No outro post, falei sobre minorias e seus direitos ou a ausência deles, melhor dizendo (as mulheres não eram necessariamente minorias em todos os casos, mas vivam como uma delas). Ocorreu-me que em todo esse tempo que falei, não faltaram os canhotos que se resignaram a inverter a duras penas sua programação genética pedindo aos outros canhotos que se acalmassem, afinal "qual era o problema?" Também não devem ter faltado pessoas em regime de escravidão dizendo que pelo menos tinham o que comer, ou mulheres como respeitosas donas de casa criticando a vizinha que usa cabelo curto, fuma ou vive só.

Essas pessoas não mudam a sociedade; são do mesmo gênero dos "deixa disso" que tanto presenciei em minha vida na escola e tanto azia me deram e dão ainda hoje. Aqueles que não podiam ver uma briga que queriam separar dizendo "gente, o que é isso?", mas eram incapazes de dirigir uma palavra punitiva ao provocador inicial. A essas pessoas, pouco importa que haja pessoas descontentes e sofredoras nesse mundo, ou se importa, melhor não pensar a respeito; o que as leva às lágrimas é a contenda, a briga, ver o estouro da manada. Pessoas de raciocínio raso, que adoram auto-ajuda adocicada, religiões conformadoras, leem o "Segredo", repetem "se deus quiser" o tempo todo como remédio para as frustrações. Esse pensamento parte sempre do mesmo princípio: evite o conflito. Então, não são elas o motor de mudança social. Elas são o status quo.

Frequentemente, as pessoas preocupadas em manter o status de uma época incorrem em erros grosseiros ao enquadrar minorias como um ultraje. Agora, junte dois dos aspectos que mencionei antes (mulher e negra, no caso) e você terá o coquetel explosivo que mais mexe com a imaginação e a criatividade do preconceituoso, ou se preferir (eu prefiro) aquele que passará para a história como um testemunho da mais completa imbecilidade de sua época. Observe a imagem a seguir.

A menina negra ao centro é Elizabeth Eckford e essa foto foi tirada no seu primeiro dia de aula numa escola de ensino médio no estado de Arkansas nos Estados Unidos em setembro de 1957. Ela foi um dos primeiros nove estudantes negros aprovados numa escola "branca". Ela se desencontrou dos outros e acabou tendo de caminhar sozinha até a escola, e foi cercada por outras alunas que julgavam aquilo um absurdo. Nascida em 1941, Elizabeth não contava com mais de meros 16 anos; uma menina, pura e simplesmente, cujo ato ergueu atrás de si uma muralha de mal amadas raivosas (não se engane com aquela da direita; ela foi quem resgatou-a da multidão).

Agora olhe novamente as expressões na foto. Pode olhar, eu espero.


Poucas pessoas hoje em dia conseguem olhar essa foto e não ver a desproporção das forças medidas e simbolizadas nela; eu diria que seríamos unânimes em considera-las um absurdo. Mas claramente esse absurdo não ocorria às pessoas que achacavam feito hienas a menina. 

Hoje, cada vez que vejo  manifestações contrárias ao direito de minorias, imagens como essa me vem à cabeça. E não tenho dúvida que o pensamento mesquinho dos que hoje condenam sem quaisquer critérios vão fazê-los passar à história tal como foram as pessoas em volta de Elizabeth: covardes.

O que não falei antes sobre a foto do fotógrafo Will Counts é que sua repercussão foi absurda. Pois é, quem diria que um momento onde as pessoas achavam-se no "direito de manifestação" para não serem 'sufocados' pela "mordaça de raça" que os terríveis negros estavam impondo à sociedade ia ser captada e transformada num ícone mundial contra a intolerância?

E acabou que foi. Sabe aquela baixinha bocuda que vai atrás de Elizabeth na foto? Seu nome é Hazel Bryant.

(E sim, eu espero você olhar outra vez).

Olha ela aí, quarenta anos depois tendo de pedir desculpas publicamente à menina que só queria estudar.


Ela era uma adolescente também na época. Mas isso não justifica a atitude covarde que teve, com reflexos presumíveis em toda a sua vida ("você é neto daquela racista que xingou a menina do Arkansas?"). Tá aí um bom recado aos homofóbicos de hoje: continuem assim e quem sabe não teremos um de vocês expostos e famosos dessa forma daqui a alguns anos também?!



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