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quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

A vitrola quebrada

Em todo lugar que se olhe, parece haver uma tendência à generalização. Somos um povo que a tevê insiste em mostrar como trabalhador mediano, que passa o ano regados a futebol e novela esperando chegar as férias. A rotina diária parece ser compensada pela ênfase que se dá nos feriados; natal, ano novo, carnaval...

Nessa mesma esteira, cantores e músicas que nada tem de especiais são pinçados ao acaso e elevados aos píndaros da exposição pública, criados em laboratório pra fazer sucesso; leia-se para alguém (geralmente não o cantor) ganhar muito dinheiro. A vitrola quebrada que repete insistentemente nesses últimos dias a música de Michel Teló faz parte desse processo. Alçado ao topo por uma explosão midiática instantânea, o fenômeno "ai, se eu te pego" que invade você onde quer que esteja esconde por trás de si um aparato absurdo de marketing onde quem menos ganha é o próprio Teló.

Não há nada de errado com músicas passageiras, que vão e vem toda semana. São um gênero como qualquer outro. Mas, asim como a ênfase em qualquer aspecto tende a ofuscar os demais, esse efeito de agulha saltando no vinil e repetindo sempre o mesmo trecho (no caso, as mesmas músicas), cria a falsa impressão que isso é o melhor da nossa produção cultural. Ela literalmente emburrece o gosto musical do ouvinte mediano que tem na tevê sua única e maior diversão. O passante que busca na tevê uma forma de se informar sobre o que acontece no restante do país tem na verdade uma amostra selecionada como se a realidade fosse aquilo.

A própria rede Globo, que protagoniza vexames desse tipo, é pródiga em criar o que não existe. Diariamente, ela tem nos brindado com esse programa infame chamado big brother, que nada mais é do que uma ode à imbecilidade. Literalmente estuprando o bom senso, as três consoantes BBB viraram um sinônimo daquilo que de pior o ser humano tem a oferecer. A ostentação, a mentira, a dissimulação, a fofoca, o cultivo da aparência em detrimento do intelecto. Como se isso não bastasse, ela insiste em tornar essa aberração pública, valendo-se de uma concessão estatal que deveria propor uma contrapartida de divulgação cultural (real e sem apelação). E quando a agenda distorcida a que se propõe é materializada em cadeia nacional de forma criminosa, ela ainda faz graça na figura patética de um Pedro Bial e seus poemas pra lá de duvidosos.

Não que isso espante vindo de onde vem. Qualquer pessoa interessada em saber a história de Roberto Marinho e sua organização sabe como seu império foi construído e quais foram suas metas. O duro é ver as pessoas à sua volta com a capacidade de pensar moldada pelo personagem raso da novela, o comentário sem sentido ou tendencioso de alguns jornais; pessoas em que a tevê ligada governa a vida familiar, está no centro da sala, domina as conversas, as refeições, os encontros e reencontros. Sem perceber, as pessoas participam passivamente de cerimônias reais pomposas onde a sanidade é mantida de fora, e a estupidez adentra o salão com garbo e é coroada sob a alegria geral.

Pessoalmente, minha sugestão é nunca acreditar em quem fala "em nome do Brasil", mas não foi eleito pra isso. Tento compensar cada programa, cada bizarrice elevada falsamente a um evento nacional com um pensamento simples: o que o vizinho que não conheço está fazendo agora...? E as pessoas da minha rua, da minha cidade, do meu estado...? E aquele grupo de maracatu que vi um dia, por onde anda?  Tendemos a não nos dar conta que existe vida inteligente fora da tevê e que expurgar essa dependência é mais do que uma feliz curiosidade, mas uma forma efetiva de viver melhor.

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