Para os que ainda acham que essa embromação é verdadeira, um bom artigo sobre Reiki e seus resultados completamente nulos. Direto do
Bule.
[abre aspas]
Fonte:
Campelog
Autor: Felipe Campelo
Editor: Eduardo Patriota Gusmão Soares
Introdução:
Para entender as alterações biológicas do reiki, o psicobiólogo Ricardo
Monezi Julião de Oliveira testou o tratamento em camundongos com
câncer. “O animal não tem elaboração psicológica, fé, crenças e a
empatia pelo tratador. A partir da experimentação com eles, procuramos
isolar o efeito placebo”, diz. Para a sua pesquisa de mestrado na USP,
Monezi escolheu o reiki entre todas as práticas de imposição de mãos por
tratar-se da única sem conotação religiosa.
Depois de sacrificados, os animais foram avaliados quanto a sua
resposta imunológica, ou seja, a capacidade do organismo de destruir
tumores, de acordo com o tratamento recebido (impostação x placebo). Os
resultados mostraram que, nos animais do grupo “impostação”, os glóbulos
brancos e células imunológicas tinham dobrado sua capacidade de
reconhecer e destruir as células cancerígenas.
Isso me impressionou, confesso. Como um trabalho assim é aprovado
numa banca de mestrado da USP? Assume-se que o trabalho tenha atendido
às exigências da academia e seu conteúdo seja válido e procedente. Mas,
talvez, a banca examinadora não tenha conhecimento de diversos trabalhos
já feitos na área. Antes de começar a montar uma pesquisa a respeito,
Fábio Campelo escreveu em seu blog um breve texto refutando alguns
pontos centrais da pesquisa, bem como nos trouxe referência de muitos
estudos que apontam para resultados inconclusivos ou definitivamente
nulos quanto à eficácia do reiki.
Um ótimo texto para quando você precisar discutir com os terapeutas “alternativos”.
*****************************
Antes de passar à discussão, convém definir o que é Reiki. De acordo com o artigo da
Wikipédia(a) (traduções e grifos meus):
(Reiki é uma prática
espiritual desenvolvida em 1922 pelo budista Japonês Mikao Usui. O Reiki
utiliza uma técnica comumente conhecida como cura pelas mãos como uma
forma de medicina alternativa e complementar, e é ocasionalmente
classificada como medicina oriental por entidades
profissionais. Através do uso desta técnica, o praticante de Reiki
afirma poder transferir energia curadora, na forma de ki, através das
palmas das mãos.)
Em outras palavras, o praticante de Reiki abre as
mãos sobre uma determinada parte do corpo, se concentra, e afirma poder
manipular ou transferir energias vitais para o paciente, de forma tratar
e curar as mais diversas moléstias. Isto torna o Reiki parte de uma
corrente conhecida como
Vitalismo,
cuja premissa é a existência de algum tipo de energia vital que pode
ser manipulada ou alterada por adeptos ou praticantes de certas artes. O
fato de nenhuma destas energias vitais – ou seus efeitos – jamais terem
sido observadas de forma objetiva em mais de 200 anos de investigação
científica (Ben Franklin e outros cientistas já investigavam uma
modalidade de vitalismo conhecida como
magnetismo animal no
final do século XVIII, com conclusões fortemente negativas) coloca a
plausibilidade prévia deste tipo de modalidade em um valor bastante
baixo. Para maiores informações, sugiro ler
aqui,
aqui,
aqui,
aqui, e principalmente
aqui (este
último fala de Emily Rosa, a pessoa mais jovem a publicar um artigo no
prestigioso Journal of the American Medical Association, descrevendo o
protocolo e testes utilizados para examinar uma modalidade conhecida
como toque terapêutico, extremamente similar ao reiki).
Reiki na Literatura Científica
Suponhamos entretanto que possamos ignorar o fato de
que estas energias jamais foram detectadas e que não há qualquer
plausibilidade fisiológica ou física para sua existência. Dezenas de
estudos foram realizados para testar a eficácia do Reiki (e outras
modalidades de vitalismo) ao longo dos anos. O que a literatura médica
tem a dizer quanto a isto?
Uma revisão da literatura publicada em 2008[1] examinou
205 estudos potencialmente relevantes utilizando Reiki para o
tratamento de uma série de moléstias. Dentre estes 205 estudos, apenas 9
possuíam os critérios mínimos de qualidade metodológica para inclusão
na análise (randomização, cegamento duplo, descrição detalhada do
protocolo utilizado, etc.). Os critérios de seleção empregados na
revisão foram:
(Testes randomizados e
controlados foram incluídos no estudo nos casos onde o estudo foi
conduzido em humanos, tanto recebendo somente reiki quanto reiki
associado a uma modalidade convencional de tratamento. Testes onde o
reiki foi comparado contra qualquertipo de grupo controle foram
incluídos. Testes onde o reiki foi utilizado como parte de intervenções
complexas [N.T.: isto é, em associação com muitos outros fatores ou
tratamentos] foram excluídos. Estudos onde o objetivo era desenvolver
metodologias dos procedimentos de reiki, sem variáveis clínicas de
resposta definidas, foram excluídos. Aqueles que não reportaram dados ou
comparações estatísticas também não foram utilizados. Restrições de
língua não foram impostas. Dissertações e resumos foram incluídos.
Cópias impressas de todos os artigos foram obtidas e estudadas
completamente.)
Após o agrupamento dos dados e subsequente análise dos dados, os autores concluíram:
(Concluindo, a
evidência é insuficiente para afirmar que o reiki seja um tratamento
efetivo para qualquer condição. Assim sendo, o valor do reiki [N.T.:
enquanto terapia] permanece sem provas.)
Em uma outra revisão da literatura publicada no próprio Journal of Alternative and Complementary Medicine[2] (que não é sequer um dos mais rigorosos em termos de evidência) concluiu que:
(As severas
limitações metodológicas e de publicação dos escarsos estudos existentes
sobre reiki não permitem alcançar qualquer conclusão definitiva a
respeito de sua eficácia.)
Reiki para tratamento de fibromialgia:
Encerrado em 2005.
Conclusões: reiki não foi considerado eficaz no tratamento de fibromialgia.
Reiki em pacientes com AIDS em estágio avançado:
Concluído em 2003.
Conclusões: os resultados não foram publicados na literatura (o que já diz muita coisa).
Reiki para neuropatia dolorosa e fatores de risco cardíaco:
Concluído em 2004.
Conclusões: os resultados não foram publicados na literatura (de novo, já diz muita coisa).
Qualquer um familiar com a literatura científica, e
em particular com a literatura médica, consegue entender claramente o
que está implicado em todas estas conclusões: a despeito dos quase 90
anos de prática, não há na literatura nenhuma evidência que o reiki
funcione melhor que um placebo similarmente aplicado, e que qualquer
efeito específico se deve à sugestão do paciente (ou à autosugestão do
praticante). Mais recursos para o leitor interessado podem ser
encontrados
aqui (em texto) e
aqui (episódio 29 do excelente podcast
Quackcast).
Os Experimentos da Revista Galileu
Mas e os experimentos descritos na reportagem da
Galileu? Não representariam uma nova vertente na pesquisa do reiki? (a
esta altura, o leitor observador já deveter percebido quepesquisa do
reiki provavelmente é uma área tão científica quanto aerodinâmica de
unicórnios). Bem, como diria
Mark Crislip, lets look at the facts:
A reportagem trata principalmente dos experimentos do psicobiólogo (!)
Ricardo Monezi a respeito dos supostos efeitos do reiki em ratos com câncer induzido. Nas palavras de Monezi:
“O animal não tem elaboração psicológica, fé, crenças
e a empatia pelo tratador. A partir da experimentação com eles,
procuramos isolar o efeito placebo”
Monezi, que segundo seu CV Lattes trabalhou com
metodologia experimental, de cara já coloca uma afirmação que não é
tecnicamente verdadeira: animais estão sujeitos *
sim* a
efeitos similares ao placebo! Este fenômeno é conhecido já há bastante
tempo na pesquisa veterinária e médica, e é muito bem explicado
aqui,
aqui e
aqui.
De forma breve, o placebo não precisa ocorrer necessariamente no
indivíduo (humano ou não) receptor do tratamento. No caso de pesquisa
com animais, por exemplo, estudos que não sejam duplo-cegos (ou seja,
onde o animal de teste não sabe se recebeu tratamento ou controle, mas o
administrador da intervenção
sabe),
observação seletiva e tendências pessoais (a famosa e quase inevitável
tendência à confirmação) são praticamente garantidos.
Há outras formas através das quais efeitos similares
ao placebo podem ocorrer em pesquisas com animais, mas não vou me
alongar demais nisto: quero chamar a atenção aqui é para o fato de que,
de acordo com o que podemos inferir da reportagem, os experimentos de
Monezi carecem exatamente do tipo de controle duplo-cego que menciono
acima, o que – como expliquei – abre as portas para a infiltração de
todo tipo de tendência pessoal nos dados.
A métrica de avaliação dos resultados descrita
(capacidade do organismo de destruir tumores) é vaga o bastante para não
permitir uma discussão mais a fundo em relação a este aspecto.
Quaisquer que sejam as especificidades da métrica utilizada, entretanto,
o não-cegamento do experimentador invalidaria completamente o protocolo
experimental utilizado.
Outra razão para uma saudável dose de ceticismo é o
fato de o trabalho descrito na reportagem não ter sido publicado em
nenhuma revista científica com revisão por pares – muito menos naquelas
em que resultados tão impressionantes como os relatados deveriam estar –
JAMA, NEJM, talvez até a Nature. Embora o pesquisador tenha defendido
sua dissertação de mestrado sobre o assunto, o fato de seus resultados
não terem sido publicados na literatura técnica especializada (onde
estariam sujeitos às críticas e comentários da comunidade científica em
geral) não costuma ser um indicador de qualidade em pesquisa.
Examinando um pouco mais de perto a
dissertação do Ricardo Monezi (onde os experimentos comentados na Galileu são relatados), observei alguns outros aspectos perturbadores:
1) a revisão da literatura em terapias energéticas é
feita de forma completamente crédula, sem nenhuma referência a trabalhos
refutando estas modalidades (como, por exemplo, o da
Emily Rosa no JAMA);
2) o tamanho amostral utilizado (20 indivíduos/grupo)
foi pequeno o suficiente para que flutuações estatísticas pudessem ser
significativas, mesmo descontando os outros problemas metodológicos;
3) como eu havia suspeitado, na descrição da
metodologia utilizada não há nenhumamenção ao cegamento dos
experimentadores ou dos responsáveis pelas análises posteriores. Ao
contrário, a descrição do procedimento inclui as seguintes imagens,
também reproduzidas na reportagem da Galileu:
Nem sinal de cegamento do experimentador
4) não há também nenhuma referência a medidas para prevenir contaminação cruzada das amostras;
5) O teste estatístico utilizado (
Student t)
requer a satisfação de premissas fortes, que não foram validadas
durante ou após a análise estatística (normalidade, igualdade de
variâncias, independência das amostras).
5.a) Nota 1: os dados reportados na dissertação me
permitiram verificar a premissa da normalidade para a maioria dos
conjuntos. Entretanto, a premissa de isoscedasticidade – isto é,
igualdade de variâncias – foi violada brutalmente em todos os testes
realizados, o que possivelmente implica na não-validade do teste-t
utilizado, a menos que precauções extras tenham sido tomadas – o que não
foi reportado no texto.
6) Ainda na parte da análise estatística: o autor
falhou em corrigir seus valores de significância para múltiplas
hipóteses. Além disto, o trabalho testa uma grande quantidade de
hipóteses mal-definidas, frisa aquelas onde anomalias foram observadas, e
busca – na discussão final, a posteriori da execução dos experimentos –
ajustar quaisquer conjecturas às observações, o que é uma prática
falaciosa de análise conhecida como
caça por anomalias;
Conclusões
Os experimentos e resultados relatados na revista
Galileu não fornecem evidências suficientes para quaisquer afirmações a
respeito do efeito do Reiki em ratos com tumores. A literatura médica
possui refutações bastante definitivas desta prática, tanto de um ponto
de vista de plausibilidade biológica quanto de efeitos clínicos. Reiki é
uma modalidade de pensamento mágico pré-científico, e pessoas deveriam
gastar seu tempo ou dinheiro com coisas mais produtivas e eficientes.
Para aqueles que tem o hábito de argumentar que “pelo menos não faz mal”, sugiro uma consulta cuidadosa aos arquivos do
What’s the Harm.
(a) - Em tempo: o
artigo da
Wikipédia em Português é escrito a partir de um ponto de vista
completamente crédulo em relação às medicinas alternativas em geral, e
ao Reiki em particular. O artigo equivalente na Wikipedia em Inglês,
geralmente muito mais bem embasada, traz uma
seção sobre a completa falta de validade do Reiki de um ponto de vista científico.
[1] M. S. Lee, M. H. Pittler, E. Ernst, “
Effects of reiki in clinical practice: a systematic review of randomised clinical trials“, International Journal of Clinical Practice 62(6): 947–54, 2008.
[2] S. vanderVaart, V.M.G.J. Gijsen, S.N. de Wildt, G. Koren, “
A Systematic Review of the Therapeutic Effects of Reiki“, The Journal of Alternative and Complementary Medicine 15(11): 1157-69, 2009.
[fecha aspas]
Meu comentário:
Não acho que quem acredita vá se deixar convencer por esses argumentos, e não pela credibilidade que eles tem; a questão aqui é exatamente o oposto. Quem acredita que Reiki funciona, não quer saber de argumentos, especialmente se eles demonstram a falácia que o movimento é.
Então, acho que esse artigo é bacana para as pessoas que pagam por esses tratamentos e acham que isso trará algum benefício. Faça um favor a si mesmo: guarde seu dinheiro para um bom médico, se é o que precisa.