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domingo, 15 de julho de 2012

Sobre bandas militares....


Não é novidade alguma para os músicos de bandas escolares, municipais e de igrejas de todo o país que as bandas militares representam uma oportunidade visível para uma carreira estável. Músicos adolescentes se vêem nas fardas oficiais das três forças e tem nelas uma promessa de seguir adiante aliando o que gostam de fazer com o ideal de uma profissão. E isso ainda torna mais difícil a adaptação quando muitos deles conseguem atingir essa meta e percebem que o meio, infelizmente, deixa muito a desejar quanto à profissionalização.

Quando você passa a conhecer a realidade que há por trás daquelas apresentações em praça pública que tanto incentivam esses jovens músicos, percebe que há um abismo de diferença entre a promessa e a realização, entre o sonho e a realidade. A rotina de competir para quem estuda mais (ou quem "toca mais") tão presente na vida das bandas civis contrasta imediatamente com a rotina diária em bandas militares. Nelas, profissionalizar-se é uma quimera, uma ingenuidade adolescente e sem futuro. Mais do que isso, é uma atitude indesejável e sem o menor traço de estima pela visão institucional dominante. Escondidos em hierarquias, graduações e patentes, muitos deles justificam essa postura com os argumentos mais variados e rasos possíveis; a ausência de um aumento financeiro, a inexistência de uma obrigação legal que faça com que isso seja praticado, a inveja pura e simples, e por aí vai.

O desrespeito à profissão de músico nas casernas é antigo e reflexo de uma série de fatores. Antes de mais nada, a própria incapacidade de comandantes de perceber o potencial literalmente inaudito desses homens e mulheres que compõe suas fileiras. Mas avança ainda mais; num mundo de sobras e migalhas, aqueles que as distribuem adquirem na sua própria visão um prestígio sem paralelo com nada do que teriam na sua vida cotidiana. Sem uma política institucional digna, a classe é deixada à mercê de líderes absolutamente incapazes e interesses variados e, às vezes, mesquinhos. Regentes desprovidos de talento e, muito pior, sem formação alguma arrotam sua ignorância abissal ao se vangloriar disso; ao se exporem diante de quarenta instrumentistas à sua frente sem ter uma vaga ideia do que fazem ali, eles não percebem o papel ridículo que representam para si e seus pares. É um jargão conhecido que os ensaios são feitos para "dar uma passadinha na música", e muitas das chamadas rotinas semanais constituem-se de uma tentativa canhestra de parecer que se faz algo, só para que o chefe da seção ao lado não perceba a inércia motivacional.


 O grupo de percussionistas das Forças Armadas da Suiça mostra num espetáculo que alia um rigoroso treinamento musical com o aspecto cênico e performático. Um exemplo que a música em bandas militares pode se valer da disciplina com resultados extremamente positivos.

No período em que pertenci a esse meio, vi e participei de alguns dos maiores absurdos que não achei que veria em vida: o caminhar muitas vezes de um lado pra outro no sol sem saber o porquê; tentativas de melhorias das condições de trabalho serem rejeitadas porque “vai trazer muito serviço”; regentes desesperados por um sinal visual durante a música para saber onde andavam na partitura e quando deveriam encerrar a música; a atitude debochada e sem paralelo dos que sempre julgaram sua posição hierárquica uma justificativa para que a sua estupidez fosse não só tolerada, como também aceita e seguida; e ainda a humilhação degradante e de forma pública de uma voz discordante, independente das suas razões serem acertadas. As exceções existem em grande número, e muitos dos melhores músicos que conheci pertencem a essas bandas. Mas eles representam uma minoria cuja individualidade vai se corroendo com o tempo porque ninguém aguenta viver contra um sistema inteiro o tempo todo.

Costumo dizer que as bandas militares ainda procuram seu lugar enquanto instituição. Elas não se encontraram ainda e talvez todo esse conjunto frustrante de experiências colhidas por mim e outras pessoas sejam um tipo de assentamento tectônico natural para que as arestas sejam aparadas e alguém finalmente tome uma atitude em relação à isso. Mas esse continente se move devagar e não há demonstração de uma saída a médio prazo. A impermeabilidade desse meio faz com que as mudanças dificilmente sejam vistas como coisa boa. 

Por outro lado, as saídas existem, e são várias; para começo de conversa, atacar a formação é fundamental. A abertura de concursos independentes para regentes com formação na área seria uma forma de garantir que aquele que está à frente do grupo possua pelo menos a condição mínima de falar sobre aquilo que exerce e conduzir um ensaio adequadamente. A valorização de grupos de câmara dentro dos naipes de instrumentos com trabalhos paralelos ao da banda em si, com horários de ensaios definidos, rotinas de trabalho e apresentações próprias também são uma forma de dinamizar e incentivar. A criação de uma estrutura interna saudável de trabalho, com setores independentes para a digitação de partituras e manutenção de arquivo, o secretariado e trabalhos burocráticos, uma comissão de relações públicas pronta a dar declarações e entrevistas sobre música e afins, projetos dinamizados que incluam a formação de plateias em escolas e eventos públicos.

Além desses, pessoalmente tenho a convicção que um grupo de quarenta profissionais usados única e exclusivamente para atender a uma demanda interna de um desfile semanal é subaproveitar o material humano em mãos. Parcerias entre governos federal, estadual e municipal poderiam usar os voluntários desses meios na criação e manutenção de bandas de música pelo país a fora e que tantas vezes são mantidas muito mais por entusiastas mas sem uma opinião mais adequada sobre a prática do fazer musical.

Ver a banda passar pode ser uma atividade prazerosa e da qual as lembranças são sempre vivas na memória. Mas é preciso notar que, se tal qual na música de Chico Buarque, tudo volta ao normal depois que ela passa, também para as bandas militares os curtos momentos nas suas apresentações podem representar também para eles um acontecimento fora do usual, onde tudo volta ao normal quando retornam à sua realidade pouco estimulante.


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