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terça-feira, 28 de maio de 2013

Entre vaias e aplausos...

Há um pouco de exagero nas reações apaixonadas à vaia coletiva que Mehmari levou numa escola no interior de São Paulo. Foi injusta, sem dúvida e seu desabafo é um relato cru de quão ruim deve ter sido sua experiência. Mas por outro lado, acho pouco provável que as crianças ali sabiam de quem se tratava o pianista e a música que iria tocar.

A ideia de meninos pobres vaiando Mehmari ou Ernesto Nazaré pode parecer um sacrilégio para músicos extremamente versados na arte da interpretação musical, mas dificilmente escandaliza os mais fluentes em interpretação social. Difundir o acesso à cultura e à expressão pessoal através da educação musical é uma atitude que todos nós mais ou menos ligados à essa causa aplaudimos. Mas diferente do que alguns podem pensar, não se trata necessariamente de empurrar Mozart e Beethoven goela abaixo da meninada. Por mais contraditório que pareça para alguns, dar critérios de escolha e meios de expressão musical a um público amplo e irrestrito pode significar exatamente a diminuição da ênfase nesse repertório e o surgimento de outros.

Sempre parto do princípio que não existe nenhum pressuposto de autoridade naquilo que nós, músicos, fazemos. Todos temos nossas preferências, e no fundo no fundo, a melhor descrição da realidade nesse aspecto é que existe a música com todos os seus possíveis desdobramentos... e existe a forma como as diferentes pessoas se relacionam com todas elas. Ou algumas delas.

Se gostar da música dita "erudita" fosse um sinal de um discernimento superior, as salas de concertos não estariam tão cheias de pessoas mais preocupadas em terem suas presenças notadas do que em buscar ouvir o que aqueles músicos no palco bravamente tentam mostrar. E se gostar de, digamos, funk carioca fosse um sinal de estupidez desmedida, teríamos um país onde seria impossível de coexistir qualquer foma de organização, algo muito diferente do que temos hoje.

O fato do buraco ser mais embaixo exige mais daquele que se propõe a entender o mundo como ele é. É preciso saltar os lugares comuns e as expressões rasas e apressadas sobre julgamentos de classes sociais com base em preconceitos. A identificação de alguém com aquilo que exprime o que ela sente é algo muito pessoal e precisa ser melhor entendido por aqueles que atuam no fazer musical. Negligenciar isso seria continuar se escandalizando porque ninguém notou a OSESP no Proms inglês; porque o prefeito do Rio acenou uma fusão absurda entre das duas orquestras cariocas para uma cidade que devia ter oito e a única voz que se levantou de fato foi a dos músicos; ou porque intérpretes refinados como Mehmari podem ser hostilizados por aqueles pretensamente deveriam agradecer por tê-lo ali presente.

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