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sábado, 10 de dezembro de 2011

Viciados em felicidade

Antes de mais nada, tenho de confessar: não uso o Facebook. Tenho uma conta lá (com uma foto de quando estive em Milão) cujo único objetivo é me conectar rapidamente, sem cadastro, em sites de livros e de compartilhamento de arquivos. Minha conta no Orkut está às moscas há mais tempo e não é raro as pessoas me perguntarem porque sumi.
Para além de constatar o fato evidente que para muitas pessoas, você é o que está nas redes sociais, por si só um sintoma de uma patologia moderna que só o distanciamento histórico vai poder analisar em toda sua plenitude, tenho pensado há algum tempo no uso que muitas pessoas fazem dessas redes. Sim, eventualmente (muito), eu entro lá, leio algumas mensagens (a maioria vírus), apago e acabo "aceitando" alguns amigos que me "convidam". 

Nessas idas, eu tenho a oportunidade de constatar um fenômeno que eu via em e-mails, mas em menor grau: a grande quantidade de pessoas desesperadas por felicidade. Todo mundo já deve ter recebido aquelas mensagens sem destino certo e que partem do princípio que você está precisando de ajuda, sempre. Mais do que isso, você tem a obrigação de ser feliz. 

É curioso que na maioria dessas mensagens compartilhadas, o teor seja sempre o mesmo, e que o paradoxo incoerente de como nos projetam enquanto espécies seja visto como lógico. Nesses casos, apesar de tudo à sua volta ter sido feito pensando em você e com todo o universo conspirando a seu favor, o que aparentemente é a explicação para pensamentos como "no fim tudo dá certo" ou "o que é nosso tá guardado", somos ao mesmo tempo esse frangalho humano que incapaz de lidar com o que quer que seja sem ficar choramingando por pedidos de força a um além imaginário. Acredite e confie são palavras de ordem. 

A necessidade de ser "salvo" é pra mim duplamente problemática, por ser ao mesmo tempo incoerente e humilhante. Incoerente porque ser salvo implica em um "do quê" que nunca permite-se falar muito a respeito, porque no fundo vai demonstrar a grande falácia que a história toda é. E é impressionante que as pessoas vivam suas vidas baseadas em algo que a simples pergunta "como você sabe?" causa um constrangimento visível. Mas a idéia de salvação é sobretudo humilhante porque pressupõe que todas as pessoas consideram-se tanto quanto o interlocutor que a propõe. Aparentemente não ocorre a essas pessoas que se elas acham que precisam ser salvas, até vá lá, mas imaginar isso é valido para o outro que ela não conhece e não quer conhecer, é muita hipocrisia e arrogância.

Desconfie de quem se diz porta-voz de coisas que mais ninguém pode ter acesso. Somos criaturas complexas, expostas a um mundo que ainda não entendemos bem, mas estamos cada vez mais resolvendo essa equação. Dar certo ou dar errado pode ser uma questão de ponto de vista, mas ambos acontecem e nada indica que seja pra você aprender algo. É fato que aprendemos com isso se estivermos atentos.

Da mesma forma, eu lamento dizer, você não tem 458 amigos como a sua página tenta te mostrar. Amigos que mereçam essa maiúscula na frente são raros, e nem sempre são pessoas óbvias. Estar lá para alguém é algo extremamente difícil, e é uma atitude madura da parte de quem for imaginar que não se pode exigir isso de qualquer pessoa.

Redes sociais são um veículo que passaram a comunicar instantaneamente as pessoas, e de repente, tudo que é dito é visto por todos. E aí? Aí nada se você não tem o que dizer. Essa felicidade a qualquer custo, essa necessidade de "salvar" os outros de uma infelicidade que alguém vive e pressupõe ser a de todos é sintomática de um mundo em que se banaliza a educação séria como construção do indivíduo pensante ou algo que o valha.

Viciados em felicidade são como viciados em açucar, por exemplo. Começa-se com um hábito agradável, mas que vai ficando mais e mais voraz, afastando o que é amargo, depois o que é salgado e, por fim,  até o que não é bem doce. No fim, a negação do seu oposto destrói o paladar completamente, ao ponto de já não sabermos mais se o que temos em mãos é doce. Perdendo a comparação, nos desconectamos da realidade e embarcamos numa ilusão, virtual ou não.

E pra acabar, um vídeo escrito e interpretado por Ross Gardiner.


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