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quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Estado Laico, graças a deus... mas qual?

Vi no Facebook um texto de um tal Ciro Sanchez Zibordi com o curioso título de "Laicismo seja louvado", disponível aqui. Claro, eu já imaginava o que viria. De cara, o autor começa chamando de "grande assunto do momento" o pedido do ministério Público para a retirada das cédulas a frase "Deus seja louvado". Deixa antever que o assunto lhe parece bastante relevante e dá uma ideia que a mera correção de um gesto anacrônico lhe incomoda bastante. O problema, como se verá, é que sua argumentação é falha, pueril. A tônica do seu discurso pode ser resumida no seguinte parágrafo:

"Ora, se a aludida frase incomoda tanto o MPF, bem como os ateístas, ativistas LGBTUVWXYZ e adeptos do laicismo, de modo geral, sugiro que eles façam propostas ou exigências mais amplas, além de requererem a exclusão dos "abomináveis" dizeres contidos nas cédulas do real. Se o Estado é laico (...) que não haja mais nenhum feriado ou comemoração religiosa no Brasil. Não seria bom para todos eliminar o calendário católico, em nome da laicização? Imagine o que aconteceria com o comércio, se não houvesse mais os dias de N.S. Aparecida, Páscoa, Finados e Natal!"

Quase parei de ler quando vi a sua piadinha de péssimo gosto quando grafou a sigla dos homoafetivos; essa forma de tratar do assunto demonstra um preconceito pouco recomendado para quem quer que fosse, mas é pior no discurso de alguém que pretende ser a baliza moral dos seus seguidores. Ele também tenta impingir aos seus leitores que o pedido de remoção dos dizeres seria por serem 'abomináveis', seja lá o que isso queira dizer. Além disso, numa vitimização bem infantil, o autor propõe que retirem as feriados e comemorações religiosas do calendário.

Ora, direto ao ponto: os dizeres devem sair da cédula do nosso dinheiro não porque são abomináveis, mas porque num Estado laico, não há preferência por esta ou aquela religião. Ele não proíbe as manifestações ou comemorações religiosas. Laico quer dizer neutro religiosamente falando, e basta imaginar que na cédula tivesse a expressão "Oxóssi seja louvado" para perceber que a opinião de Ciro seria exatamente o contrário. Mas, por não saber o que o termo quer dizer, ele inventa a definição que lhe convém ao papel de mártir e sai às cegas, combatendo moinhos de vento como se fossem dragões. Todos os demais problemas do seu texto se referem a isso. "Porque existir cidades com nomes de santos?", ele pergunta, embora eu tenha quase certeza que se o Estado retirasse as denominações católicas de Maria como Nossa Senhora Aparecida, ele vibraria secretamente.

Assim, além de mostrar publicamente seu desconhecimento em relação ao termo "Laico" (reprovável em todos os sentidos, já que basta quinze segundos na internet pra se informar a respeito), o autor também demonstra que compartilha da verve cínica da pior ala religiosa brasileira; explorando a fraqueza de caráter de alguns de seus fiéis, ele joga com a desinformação e tenta atingir ateus, religiosos de outras denominação, gays e até o deputado Jean Wyllys. Se fosse há uns anos atrás, só faltaria incluir os negros e as mulheres. E, por último, fecha com chave de ouro com a velha e manjada falácia do "Isso vai diminuir a criminalidade?", como se o critério para o que deve ser feito pelo Estado devesse incluir somente isso. Investimentos em saúde e pesquisas científicas também não costumam alterar índices de criminalidade, mas só alguém munido de uma estupidez colossal diria que isso seria um motivo para que não fossem feitas.

Em resumo, Ciro Sanchez não está contente em somente destoar do bom senso e da razão ao reclamar que o deus que sua denominação acredita não tenha privilégios numa sociedade onde ele é só mais um; ele não está satisfeito em cultivar para si a desinformação e a ignorância. Ele também precisa subir na montanha mais alta e dizer isso a todos à sua volta.

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