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segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

BBC e a FIFA...

Um documentário fundamental para quem gosta de futebol. E um motivo a mais para os que não gostam.


domingo, 30 de dezembro de 2012

A Índia em todos nós...

Em cada cultura, é possível ver traços que ajudam a compor o que de fato somos. Cada uma das particularidades da vivência de povoados que se transformaram em cidades no decorrer do tempo representam, antes de ações individuais que nada teriam a ver com outras culturas distantes, uma oportunidade de nos conhecer melhor enquanto espécie sob condições diferenciadas. 

As palavras de Martin Niemöller esvoaçavam na minha cabeça enquanto lia as últimas notícias na Índia sobre a estudante de 23 anos que foi brutalmente espancada e estuprada coletivamente num ônibus. Niemöller foi um pastor luterano alemão que era inicialmente a favor do regime nazista como a maioria dos clérigos e religiosos de então, e atribuía a culpa das atrocidades sofridas pelo povo judeu aos próprios, sob o cansativo argumento que teriam matado "nosso senhor jesus cristo". Acabou que ele decidiu voltar-se contra o sistema e foi preso por isso. É autor do conhecido poema que fala sobre o sistema de governo que vai levando os vizinhos por serem judeus, católicos e assim por diante, enquanto o narrador nada faz para impedir por que não pertencia àqueles grupos. Um dia ele se vê só, na iminência de ser preso e sem mais ninguém que fale por ele.

Não é difícil encaixar essa situação em muitas manifestações sociais ao redor do mundo em todas as épocas. Mas o motivo pelo qual isso me soa constantemente nesse caso da Índia é a proporção da indignação que toma conta das ruas. Basta ler um pouco sobre a cultura local para saber que estupros em mulheres ocorrem diariamente lá e poucos são noticiados. O motivo está diretamente ligado ao costume aparentemente abraâmico ainda de não dar voz à mulher. A família escolhe com quem ela se casa, o marido e a família dele escolhe onde ela vive, com que roupas; obviamente é mais fácil agir enquanto ela ainda é criança (a idade preferida de culturas e religiões para se propagarem), e com frequência, meninas são casadas com velhos. Entretano, se ficam viúvas são absolutamente proibidas de se casar de novo, e os bens do seu finado ficam com os pais. Mal andam nas ruas, não tem voz ativa; além disso, exames que identificam o sexo do bebê foram proibidos pelo governo para evitar que, sendo menina, sejam mortas ainda como feto.

Como se sabe, seis homens, numa demonstração clara da nossa origem bárbara, atacaram a tal estudante com uma barra de ferro e a jogaram fora de um ônibus em movimento. Ela faleceu em Cingapura, para onde foi oficialmente transferida devido ao estado dos ferimentos. Entretanto, a transferência pode ter sido para que não morresse em território indiano e aumentasse ainda mais a comoção popular. Mas que comoção popular?

Bom, aqui é que fiquei intrigado. Como uma sociedade que zela tão cuidadosamente de normas tão absurdas para qualquer pessoa racional se indigna quando alguns homens criados sob a sua tutela resolvem "cobrar o que é seu por direito"? Não são os homens os melhores? Não foi pra eles que tudo em volta foi criado, cabendo a eles decidir o destino de suas esposas sem que delas se saiba o que pensam? Não é a mulher pior que um objeto, constantemente discriminada, um peso para suas famílias por simplesmente existir?

Aparentemente, somos mais complexos ou mais simples do que pensamos; basta escolher um deles, ou ambos, se preferir. Sócrates era um dos grandes filósofos gregos que gozava de grande prestígio em seu tempo, mas foi condenado à morte precisamente por isso. Coriolano era um grande general romano, coroado pelo povo como um herói de guerra numa grande comoção popular, mas bastou uma pequena manobra e seria expulso e condenado a vagar sozinho como um sem pátria. Jesus, o nazareno, foi recebido com palmas num dia e crucificado outros depois. E a lista segue, incessante, até nossos dias. Nesse caso, temos também o efeito inverso: uma mulher é estigmatizada como o que de pior pela cultura que pertence num dia; conhece a dor, a humilhação, a violência sem limites ou escrúpulos e falece para, dias depois ser considerada a "Filha da Índia" pela mesma sociedade que legou sua condição fatídica.

Alemãos, judeus, indianos, gregos, romanos, judeus de novo; somos todos separados por estigmas culturais e de convivência. Adotamos idiomas diferentes, costumes diferentes e evoluímos diferentemente. Mas essas diferenças escondem nossa fragilidade, que é a mesma. Escondem o desejo infinito que temos de amar, só comparado ao igualmente infinito desejo de causar dor ao outro. Somos previsíveis e inconsequentes demais.

A vida de rebanho faz com que valores não sejam questionados. Quem consegue perceber as formas sutis que essa expectativa social abre, penetra mais profundamente no pensamento coletivo. Para usar de franqueza, não encontrará nele um grande manancial de conhecimento; é bastante monótono lá, com ideias montemáticas simples, frases de efeito usadas sem que se saiba de onde saíram, quem disse, ou por quê. Mas para aqueles com a predisposção ao poder, dominar esses artifícios o faz o candidato ideal para governar multidões, pastorear rebanhos.

Sociedades vivem anos a fio uma realidade que não lhes agrada em geral, mas que os favorecidos parecem se esforçar por perpetuar. Via de regra, só serão transformadas quando os favorecidos mudarem de lado na equação. Ou... por meio de um gatilho social; um estampido, uma chama inicial, a fagulha que incendeia a pólvora coletiva das amarguras sem solução, das preces não atendidas, das noites mal dormidas. Mas ainda assim, os oportunistas estão especializados há séculos nessas manobras, e tomado o castelo e derrubado o rei, todos querem voltar às suas vidas normais e deixar alguém tomando conta.

É impossível prever que tipo de movimentação casos como esse permitirá. Pode ser o estampido para a guerra entre a tradição atrasada e medíocre e um desejo de mudança que espreita há tempos adormecido. Ou mais um passo, mais uma gota de um copo que parece aumentar convenientemente de tamanho para evitar o transbordo.

Pode-se dizer com segurança, porém, que a mulher assassinada não foi uma revolucionária; foi uma vítima de um sistema preguiçoso por rever suas ideias. Não foi a primeira, nem será a última.  






terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Feliz Natal!

Eu podia começar isso desejando um Feliz Natal e indo embora, já que meu blog tem ficado inerte por minha ausência de tempo em poder gerenciá-lo. Mas, culpem-me do que quiser, eu não consigo ficar sem dizer algumas palavras. Talvez seja coisa de menino, dessas que os adultos não entendem; "por que tem de falar?"; "que mal há em ficar quieto, sem necessariamente ficar apontando o que acha um equívoco?". Dizem que cada gesto seu a respeito do mundo está muito mais perto de dizer sobre você e, ao invés de aclará-lo, deixa o mundo ainda mais confuso. Se for assim, sei que sou um prato cheio para psicanalistas de ocasião. Mas devo dizer que também sou um deles e levo adiante enquanto falo uma bateria de testes sobre mim mesmo, e que controlo com rigor metódico. 

Bom, o natal é visto como uma data chave na tradição cristã ocidental. Digo ocidental porque nesse exato momento, o país mais populoso do mundo possui uma influência cristã pequena, patética quase. Não é melhor ou pior por isso, a priori, mas é um exemplo importante para pontuar que enquanto muitas pessoas falam em termos de uma data global, ela de fato diz pouco sobre uma plêiade de pessoas do outro lado do globo.

Por outro lado, se focarmos na nossa tradição ocidental, mas olharmos para além das fronteiras temporais a que nos habituamos, veremos que o natal já era comemorado muito antes de Jesus nascer. Alex Klein falou outro dia que antes de ser usado para celebrar o nascimento de Jesus, era considerado o dia da árvore. Não sei exatamente até onde isso procede, mas não me espantaria em nada que assim o fosse. Sabe-se que um edito de 350 anos após a era de Jesus foi que estabeleceu seu nascimento, não só como uma medida para dirimir uma dúvida que ninguém conseguia, mas sobretudo para se antepor a uma festa de outra religião, vulgarmente chamada pagã (`por que assim é que eu chamo tudo que não é a minha`), em que se comemorava o solstício de inverno do deus Sol.

Do ponto de vista da sociedade de então, fazia muito mais sentido comemorar um deus que tinha, de fato, uma inferência clara nas colheitas e na vida cotidiana. Nunca é demais dizer que achava-se que ele prescrevia uma rota sumindo e aparecendo do outro lado; demoraria muito tempo para alguém propor algo mais realista: que na verdade, nós é que prescrevíamos uma roa em torno dele. Mas por uma série que movimentos na história, sempre complexa demais para caber no que se escreve a respeito dela, a religião de cunho cristã foi se impondo.

Nada demais para a época, é preciso que se diga. Roma sempre que subjulgava uma nação, trazia consigo as pretensas divindades veneradas no lugar, construíam um templo em sua homenagem e a incluíam nas suas festas anuais. Foi Roma, cujo império ergueu muito da civilização moderna de concentração de pessoas em grande cidades, quem oficializou a religião cristã. Mas só o fez quase quatro séculos depois, e os cultos cristãos então realizados eram tão diversos, tão diferentes entre si que a igreja nascente ali precisaria de mais uma dúzia de séculos para unificá-los. 

Esse reconhecimento tardio deve-se ao fato incômodo aos crentes mas factual que a religião cristã não foi fundada por Jesus. Ele era um judeu falando a outros judeus e a Bíblia, por mais que padres e pastores se esmerem em torcer significados, é clara a esse respeito. A insignificância do movimento de Jesus em seu tempo fica evidente quando justapomos o que se diz a seu respeito hoje em grau de importância e o que se sabia a respeito dele na época. Ora, ninguém sabe quando nem como ele nasceu; os quatro evangelhos aceitos são contraditórios em muitos aspectos e, ademais, excluem convenientemente as informações do que Jesus fez dos doze aos trinta anos. Considerando as alusões ao seu nascimento uma invenção que buscava legitimar uma ideia (comum nos escritos de uma época em que não se sabia a sua origem), o que se tem de mais concreto são os três anos em que Jesus apareceu como mais um dos messias que coalhavam Jerusalém da época.

Os mecanismos que fizeram de Jesus o que é são complexos e não me atreveria a sequer tentar esgotar isso com uma conclusão apressada. Mas essa afluência atual em torno da sua figura é muito mais um fenômeno moderno, que nada tem a ver com o nazareno enquanto homem. Isso, claro, se é que existiu. As pessoas que esperam sua segunda vinda são convictas da mensagem que acreditam ser dele. As pessoas se acostumam a não fazer perguntas; a receber os conceitos sem pesquisar uma linha que seja. E assim, você dificilmente encontrará um seguidor cristão que seja capaz de articular razões para sua crença fora daquilo que o seu pastor ou padre prega nos fins de semana. Ele lerá a Bíblia como o melhor dos livros sem achar estranho que a magnitude do que é dito ali use como referência o próprio livro. É verdade porque... está ali. Não é à toa que essa credulidade tornou-se uma forte razão de exploração em todos os níveis possíveis no mundo moderno.

E ainda assim, as redes sociais são tomadas sobre "o verdadeiro sentido do Natal"; todo mundo explica que é Jesus, não o papai noel. Bom, segundo a população em massa do outro lado do globo e de todos os que viveram no passado, não é nem um, nem outro. 

O Natal é uma comemoração que está há muito tempo na nossa civilização. Mudou de sentido algumas vezes para acomodar crenças de forma conveniente, e a recorrência da História é um sinal claro que pode sofrer mudanças dessa natureza no futuro. Independente da crença que se tenha, a ideia de parar e celebrar com os seus uma esperança que parece se afogar no dia a dia em que vivemos é tão necessária quanto real. Era assim no tempo da deusa árvore, de Hórus, de Jesus ou quem mais vier. 

O que faz do Natal a sua maior força é a reunião entre os que não se viam. De encontrar de novo seus amigos e parentes e ver nos sorrisos e abraços uma identificação natural que reforça em cada um os laços profundos que constroem o que somos: uma rede interlaçada de pessoas que contribuem mutuamente pelo bem estar do outro. Senão de todos, ao menos daqueles que amamos.

É isso. Um feliz natal com aqueles que lhe são estimados!