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sábado, 17 de novembro de 2012

PCC em... SC?



É muito fácil criar o pânico que os jornais e tevês transmitem hoje em dia. E não é difícil demonstrar como isso pode ser feito. Três ou quatro pessoas bastam. Se cada uma delas contratar uns pobre diabos com a missão de parar um ônibus, mandar todo mundo descer e tocar fogo, saindo em disparada em seguida, poucas pessoas argumentariam que seria impensável. Ora, qualquer um pode subir num ônibus e anunciar a ordem de evacuação, um assalto, ou mesmo aquelas pregações que ninguém ali pediu (ou teria ido a uma igreja ao invés de bater perna). Ofereça ainda como troféu R$ 50,00 a cada posto da PM que eles conseguirem alvejar com suas armas calibre 12, montados em motos 125.

O resto, a imprensa e os duplicadores de redes sociais fazem por conta. “Ataques já somam 12 ocorrências”; “secretário Ciclano fala em 60 mortos”, e pouco importa se ele incluiu o fluxo regular de homicídios que um estado normalmente tem; afinal, quem está prestando atenção?; “a polícia já prendeu X pessoas”, mas aparentemente ninguém fala a mesma língua já que não são dados os nomes de quem seja o mandante, nem o por quê. E com base em manchetes como essa, a “rede” se agita e encarrega-se de transmitir a mensagem: o crime tomou conta.

Nessas horas eu sempre percebo a falta que faz de um pouco de filosofia nas escolas, porque a massa dá demonstrações diárias de ser beata demais. Os meios de comunicação, que deveriam ser os primeiros a divulgar TODAS as informações e analisar os fatos sobre todos os ângulos são os primeiros a tergiversar, fazerem o enredo de novela... e  por que não? E a venda dos jornais que quase já não saíam, não aumentou? E as redes sociais, você pergunta. Bom, elas são a extensão das pessoas por trás delas. De cada dez frases publicadas com fotos de floresta, no mínimo a metade erram o autor. Como podem ser elas um contraponto à mídia corporativa a quem o terror das pessoas tanto interessa? Simples: não podem. Não ainda. A foto da movimentação de caminhões do Exército na rodovia catarinense é o sinal que faltava; a situação está fora de controle e o Exército “foi” para SC. Claro que o fato de o Exército já estar em SC parece não ter ocorrido às pessoas que abonaram a ideia.

Mas e as três ou quatro pessoas lá do começo, o que fazem? Que tal tomando cerveja num bar e rindo de como as pessoas são facilmente assustadas? Quando o pavor toma conta, as perguntas que deviam ser feitas não são. E pessoas que não questionam são como muitos dos que conheci na minha vida de estudante toda; só estão ali pra levar a nota. E olha que as perguntas e serem feitas nem são difíceis.
Podia-se começar com quem ganha em assustar as pessoas do Estado, espalhando o caos? Se alguns policiais tiverem pessoas inconvenientes a eliminar, não seria uma boa hora? Observe que inconvenientes não são necessariamente bandidos; talvez até outros policiais menos coniventes, ou um novo comando cuja presença incomoda a um grupo. E portanto não seriam eles esses suspeitos de serem esses três ou quatros que armaram o circo? Em Salvador, na Bahia, durante a greve da polícia, alguns dos próprios policiais não ficaram contentes em ver a criminalidade não triplicar nas ruas, então eles mesmos puseram máscaras e saíram atirando nas ruas como se estivessem no velho Oeste. Filmado e tudo o mais.

Muitas outras possibilidades podem ser arroladas aqui, mas é certo quem quer que seja o(s) mandante(s), seu objetivo é causar pânico. Ninguém armado de um pica fogo qualquer sai atirando em cabines da Polícia de graça. Nem deixa pra queimar ônibus sem ninguém dentro em pontos finais de linha à toa.  Em todo o caso, antes de ficar compartilhando notícias de quantos ônibus forma queimados, talvez seja prudente verificar, por exemplo, se os donos da empresa não estão com dívidas suspeitas, se os suspeitos não são vacas de presépio de um enredo maior, geralmente menos fantástico e mais simples.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Estado Laico, graças a deus... mas qual?

Vi no Facebook um texto de um tal Ciro Sanchez Zibordi com o curioso título de "Laicismo seja louvado", disponível aqui. Claro, eu já imaginava o que viria. De cara, o autor começa chamando de "grande assunto do momento" o pedido do ministério Público para a retirada das cédulas a frase "Deus seja louvado". Deixa antever que o assunto lhe parece bastante relevante e dá uma ideia que a mera correção de um gesto anacrônico lhe incomoda bastante. O problema, como se verá, é que sua argumentação é falha, pueril. A tônica do seu discurso pode ser resumida no seguinte parágrafo:

"Ora, se a aludida frase incomoda tanto o MPF, bem como os ateístas, ativistas LGBTUVWXYZ e adeptos do laicismo, de modo geral, sugiro que eles façam propostas ou exigências mais amplas, além de requererem a exclusão dos "abomináveis" dizeres contidos nas cédulas do real. Se o Estado é laico (...) que não haja mais nenhum feriado ou comemoração religiosa no Brasil. Não seria bom para todos eliminar o calendário católico, em nome da laicização? Imagine o que aconteceria com o comércio, se não houvesse mais os dias de N.S. Aparecida, Páscoa, Finados e Natal!"

Quase parei de ler quando vi a sua piadinha de péssimo gosto quando grafou a sigla dos homoafetivos; essa forma de tratar do assunto demonstra um preconceito pouco recomendado para quem quer que fosse, mas é pior no discurso de alguém que pretende ser a baliza moral dos seus seguidores. Ele também tenta impingir aos seus leitores que o pedido de remoção dos dizeres seria por serem 'abomináveis', seja lá o que isso queira dizer. Além disso, numa vitimização bem infantil, o autor propõe que retirem as feriados e comemorações religiosas do calendário.

Ora, direto ao ponto: os dizeres devem sair da cédula do nosso dinheiro não porque são abomináveis, mas porque num Estado laico, não há preferência por esta ou aquela religião. Ele não proíbe as manifestações ou comemorações religiosas. Laico quer dizer neutro religiosamente falando, e basta imaginar que na cédula tivesse a expressão "Oxóssi seja louvado" para perceber que a opinião de Ciro seria exatamente o contrário. Mas, por não saber o que o termo quer dizer, ele inventa a definição que lhe convém ao papel de mártir e sai às cegas, combatendo moinhos de vento como se fossem dragões. Todos os demais problemas do seu texto se referem a isso. "Porque existir cidades com nomes de santos?", ele pergunta, embora eu tenha quase certeza que se o Estado retirasse as denominações católicas de Maria como Nossa Senhora Aparecida, ele vibraria secretamente.

Assim, além de mostrar publicamente seu desconhecimento em relação ao termo "Laico" (reprovável em todos os sentidos, já que basta quinze segundos na internet pra se informar a respeito), o autor também demonstra que compartilha da verve cínica da pior ala religiosa brasileira; explorando a fraqueza de caráter de alguns de seus fiéis, ele joga com a desinformação e tenta atingir ateus, religiosos de outras denominação, gays e até o deputado Jean Wyllys. Se fosse há uns anos atrás, só faltaria incluir os negros e as mulheres. E, por último, fecha com chave de ouro com a velha e manjada falácia do "Isso vai diminuir a criminalidade?", como se o critério para o que deve ser feito pelo Estado devesse incluir somente isso. Investimentos em saúde e pesquisas científicas também não costumam alterar índices de criminalidade, mas só alguém munido de uma estupidez colossal diria que isso seria um motivo para que não fossem feitas.

Em resumo, Ciro Sanchez não está contente em somente destoar do bom senso e da razão ao reclamar que o deus que sua denominação acredita não tenha privilégios numa sociedade onde ele é só mais um; ele não está satisfeito em cultivar para si a desinformação e a ignorância. Ele também precisa subir na montanha mais alta e dizer isso a todos à sua volta.

domingo, 11 de novembro de 2012

ENEM para todos... será?

Acompanhei pela internet que a justiça brasileira permitiu a judeus ortodoxos e adventistas a opção de ficarem confinados no sábado mas só inicirem a prova do ENEM após o pôr do sol. Muita gente deve achar que isso é uma questão de respeito à religião de cada um e que ninguém sai prejudicado. Pessoalmente não penso dessa forma e vou dizer o porquê.
 
A ideia que o Estado é laico não pode ser perdida de vista nunca, por isso talvez seja importante dizer o que isso significa. Em poucas palavras, é a não interferência da religião nas decisões do Estado, seja ela qual for. Não há nada errado em fazer concessões à algumas denominações quando isso não inferir prejuízos aos demais cidadãos. Infelizmente, esse não é o caso de uma prova pública a nível nacional. Nesse tipo de concurso, a lisura do processo deve ser absoluta, e o Estado não pode, sob pretexto nenhum flexibilizar normas para alguns se isso incorrer na possibilidade de fraude.

Para qualquer um que já fez provas, sabe que uma das coisas que garante a isonomia da avaliação é o fato de que todos os candidatos começam a prova no mesmo horário. E há razões práticas pra isso. Mesmo com toda a fiscalização, sabemos que o sistema é falho. Mais de sessenta candidatos foram desclassificados por postarem fotos das provas em redes sociais e isso foi somente os que foram identificados. Segundo as fontes oficiais, os candidatos religiosas beneficiados pela medida ficariam isolados até do início da prova até o pôr do sol, quando iniciariam a sua. Junto de si, poderiam portar somente a Bíblia.

Mas aí começam os problemas: alguém pode garantir que nenhum desses quase noventa mil candidatos em todo país não tinham acesso à internet com celulares escondidos? Não, não pode. E se alguns desses, já sabendo que fariam sua prova depois dos demais tivessem combinado o envio de resultados via sms, isso seria absolutamente detectável? Nem preciso responder. Esse é um dos motivos pelos quais a isonomia não estava garantida na prova do ENEM. O sistema permitiu a brecha para que os muitos candidatos que conseguissem burlar as regras tivessem êxito. E observe que minha argumentação nem é de que isso ocorreu. Sinceramente espero que não. Mas se tivesse ocorrido, foi uma falha desnecessária que o Estado poderia ter evitado se não fosse tão condescendente e influenciado com tudo aquilo que vem da religião. Se a eleição fosse num dia desses, também teríamos que ter horários especiais durante a noite para votar porque algumas crenças julgar pecado apertar um botão durante um dos dias da semana?
 
Além disso, aceita-se com facilidade porque professam o mesmo deus judaico cristão sob os quais boa parte da população brasileira estabeleceu suas crenças. Basta imaginar concessões parecidas à religiões de matiz africanas ou orientais para perceber que nem todos seriam de igual apoio.

Se as pessoas vissem a cidadania e os direitos iguais para todos como uma meta, seria risível permitir uma coisa dessas. Se tivessem o mínimo de consciência a respeito do quão prejudicial é para uma comunidade quando uns são beneficiados em detrimento de outros, esses candidatos que tanto prezam sua religião deveriam ser os primeiros a não concordar com essa medida. A dizer em alto e bom som aos seus pais e professores que não aceitam distorcer as chances ou terem tratamento diferenciado. Que vivemos todos sob o mesmo sol e chuva, todos com nossos problemas, mas que independente da crença que possuímos, maior é a lisura de uma avaliação como essa, que põe em cheque a chance de obter com absoluta justiça uma vaga no sistema de ensino superior. Que para muitas pessoas, essa é a única forma de cursar uma faculdade e não é justo abrir um precedente desse por conta de uma crença sem base alguma. 
 
Se amassem ao outro como a si mesmos, veriam o absurdo que é colocar os seus interesses acima dos demais.

Sobre o tal mensalão...

Desde o começo esse tal julgamento do mensalão me causou estranhesa. A mídia (um eufemismo para seis famílias que decidem o que vai ser publicado e o que não) apoiando em peso foi um sinal disso; a transmissão como se fosse um reality show, que terminou mostrando o baixo nível das nossas excelências, completamente incapazes de arguir sem ofensas mútuas, foi outro.
Usou-se a tal Teoria do domínio do fato para as condenações que, como bem sabe que acompanha as notícias na internet, foi a tábua de salvação da corte, já que não havia provas suficientes. O que ninguém disse é que a tal teoria é de um jurista alemão e cuja aplicabilidade era em regimes totalitários, em especial o nazismo.
Em entrevista publicada na Folha, o próprio juiz de passagem pelo Rio agora repreende o STF por usar equivocadamente a Teoria de sua autoria. Segundo ele:
"A posição hierárquica não fundamenta, sob nenhuma circunstância, o domínio do fato. O mero ter que saber não basta. Essa construção ["dever de saber"] é do direito anglo-saxão e não a considero correta. No caso do Fujimori, por exemplo, foi importante ter provas de que ele controlou os sequestros e homicídios realizados". http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/teorico-do-dominio-do-fato-repreende-stf
O detalhe é que a entrevista estava pronta a duas semanas, e aguardaram para publicar somente depois de terminado as eleições. A sanha de condenação foi alta, mas agora que a eleição já passou, começa-se o desmonte da lona. Uma justiça que condena sem olhar provas e distorcendo fatos é útil para atingir o que os jornais já não conseguem mais. Mas calma aí, porque o próximo que vem na esteira é dos nossos e ninguém vai querer o patrão na berlinda, vai?