Translate tool

sábado, 22 de junho de 2013

Revoltas e revoltas...


É muita ingenuidade achar que estamos vivendo uma nova era ou, como diriam frases de efeito tão em voga hoje, que o "gigante acordou". Primeiro que, como vários analistas tem pontuado corretamente, nem todos estavam dormindo, e quem fala do "gigante" diz respeito de fato a uma parcela da população. Há muita gente que desde sempre vem falando o que quem chegou agora da "balada" não queria ouvir; defendendo o direito de minorias como os negros, gays e índios; apontando erros grosseiros e manipulações descabidas na cobertura da imprensa e na forma que induzem a opinião pública. Essas pessoas acompanham os debates políticos e pontuam erros e acertos. Muitos já fizeram chamados para mobilizações diversas por causas tão nobres quanto os 0,20 centavos e ouviram de volta que era perda de tempo.

Depois, dizer fora aos partidos não só é crítica rasa, como perigosa. Esquerda e direita não são facções que se diferenciam por cores, mas por formas diferentes de ver a organização da sociedade. E muitos dos que acessam o Facebook podem se surpreender com isso, mas não são ideias novas. Tem no mínimo dois ou três séculos de participação ativa. É até um pouco presunçoso dizer que inaugurou-se uma nova era, mas é compreensível. Ainda vivemos o êxtase dos que nunca souberam o que é lutar por algo.

Meu problema é com esse movimento sem cara e sem ideias. É ótimo ver as pessoas nas ruas, mas é deprimente aproximar uma lupa nos indivíduos que compõe a multidão e ouvir suas razões. Há grupos de caráter nitidamente fascista tentando usurpar o discurso que deixa vago a que lugar se dirigem. Gente que vai para uma manifestação com soco inglês e correntes, que pixa e destrói um prédio porque tentar entender a forma como as coisas ocorrem dentro dele e melhorá-la dá trabalho. E, não surpreendentemente, ninguém parece preocupado com o fato da Veja e a Globo se elevarem à categoria de púlpito popular num momento desses. A negação que podem ainda estar sendo explorados é sintomática.

Essas pessoas precisam ser resgatadas para o debate. É a consciência política progressiva que traz melhoras sistemáticas. Precisam entender que o ato de ficar imóvel exercendo uma crítica quando governos e mídias exigem sua retirada imediata é muito mais poderoso do que quebrar um prédio que não oferece resistência. As grandes imagens que marcam protestos pelo mundo são as de atos de coragem como permanecer parado, ou em pé, como na Turquia de hoje. Não é preciso muito esforço pra perceber que há lutas muito mais efetivas para garantir a correta aplicação dos recursos do que destruir o lugar onde isso ocorre. É preciso que se diga: outras pessoas em outras épocas já fizeram protestos semelhantes e o fato de ainda estarmos nas ruas demonstra que ainda não aprendemos direito a defender o que queremos; que se agimos sem pensar, nos tornamos tão cegos como os reais mandatários do poder (não necessariamente os políticos) querem que sejamos.

E que a voz da razão quase nunca está nos gritos, mas no argumento silencioso e destruidor para o qual não há defesa.

terça-feira, 28 de maio de 2013

Entre vaias e aplausos...

Há um pouco de exagero nas reações apaixonadas à vaia coletiva que Mehmari levou numa escola no interior de São Paulo. Foi injusta, sem dúvida e seu desabafo é um relato cru de quão ruim deve ter sido sua experiência. Mas por outro lado, acho pouco provável que as crianças ali sabiam de quem se tratava o pianista e a música que iria tocar.

A ideia de meninos pobres vaiando Mehmari ou Ernesto Nazaré pode parecer um sacrilégio para músicos extremamente versados na arte da interpretação musical, mas dificilmente escandaliza os mais fluentes em interpretação social. Difundir o acesso à cultura e à expressão pessoal através da educação musical é uma atitude que todos nós mais ou menos ligados à essa causa aplaudimos. Mas diferente do que alguns podem pensar, não se trata necessariamente de empurrar Mozart e Beethoven goela abaixo da meninada. Por mais contraditório que pareça para alguns, dar critérios de escolha e meios de expressão musical a um público amplo e irrestrito pode significar exatamente a diminuição da ênfase nesse repertório e o surgimento de outros.

Sempre parto do princípio que não existe nenhum pressuposto de autoridade naquilo que nós, músicos, fazemos. Todos temos nossas preferências, e no fundo no fundo, a melhor descrição da realidade nesse aspecto é que existe a música com todos os seus possíveis desdobramentos... e existe a forma como as diferentes pessoas se relacionam com todas elas. Ou algumas delas.

Se gostar da música dita "erudita" fosse um sinal de um discernimento superior, as salas de concertos não estariam tão cheias de pessoas mais preocupadas em terem suas presenças notadas do que em buscar ouvir o que aqueles músicos no palco bravamente tentam mostrar. E se gostar de, digamos, funk carioca fosse um sinal de estupidez desmedida, teríamos um país onde seria impossível de coexistir qualquer foma de organização, algo muito diferente do que temos hoje.

O fato do buraco ser mais embaixo exige mais daquele que se propõe a entender o mundo como ele é. É preciso saltar os lugares comuns e as expressões rasas e apressadas sobre julgamentos de classes sociais com base em preconceitos. A identificação de alguém com aquilo que exprime o que ela sente é algo muito pessoal e precisa ser melhor entendido por aqueles que atuam no fazer musical. Negligenciar isso seria continuar se escandalizando porque ninguém notou a OSESP no Proms inglês; porque o prefeito do Rio acenou uma fusão absurda entre das duas orquestras cariocas para uma cidade que devia ter oito e a única voz que se levantou de fato foi a dos músicos; ou porque intérpretes refinados como Mehmari podem ser hostilizados por aqueles pretensamente deveriam agradecer por tê-lo ali presente.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Minha doce Santa Maria, e o gosto amargo da tragédia

Este é um post de pesar profundo. Passe anos da minha vida criticando e batendo sobre coisas que considero equivocadas; descaso, corrupção, barbárie, a prepotência dos que se consideram acima de qualquer coisa, a impotência dos que são obrigados a viver sob a sua égide. Pois eis que, macabramente, muitas dessas características e outras mais se agruparam em torno desse assassinato em massa promovido numa boate em Santa Maria. Palavras não dão conta de explicar o que se sente e ainda assim, palavras precisam ser ditas.

Frente à uma tragédia cerceada de erros primários, estúpidos, fáceis de se evitar, a dúvida principal nem chega a ser o que leva um empresário que ganha rios de dinheiro a ser tão ganacioso a ponto de não investir no mínimo de segurança às pessoas que frequentam o ambiente; nem porque diabos atirar fogos em locais fechados parece uma alternativa "saudável" de diversão para essas bandas de agora. A principal dúvida é onde nós estamos a ponto de permitir isso nos dias de hoje. Nós, homens e mulheres, pais e filhos que nos acostumamos a ser tratados com desdém; que parecemos não ver problemas com o descaso, a ganância, a hipocrisia.

Estamos tão embebidos na nossa novela diária, no brasileirão de futebol, lendo recortes cuidadosamente escolhidos por quem controla os jornais que fomos completamente alijados da nossa capacidade crítica. A declaração é dura, mas como eu falei, palavras precisam ser ditas. E o modelo de sociedade que temos tem que ser revisto; se deixamos alguém cuidando do acampamento enquanto dormimos acreditando-nos seguros mas somos constantemente acordados aos sobresaltos sem entender o porque aquilo ocorre, há algo muito errado no ar.

E o porquê disso está aí, estampado em jornais do mundo inteiro; os mesmo jornais que silenciam de problemas reais no dia-a-dia com matérias que poderiam salvar vidas. Ou alguém duvida que se um jornalista se dispusesse a fazer matérias isentas sobre o funcionamento dessas boates seria proibido pelo próprio editor do jornal? Esse jornalista estaria contrariando os interesses que mandam e ditam o que faz parte do nosso cotidiano. E o que não.

As críticas dos especialistas em cada área pululam nesse momento. Bom, para uma infinidade de vidas destroçadas, elas de nada adiantam agora. Quase duzentos e quarenta mortos, o horror nas lembranças que acompanharão por anos a fio os que sobreviveram; mais a dor definitiva que agora habitam seus pais, amigos e parentes mais próximos, a comoção que isso causa nas pessoas que não perderam ninguém diretamente, mas sabem que o sino que bate por cada um de nós fazer morrer um pouco de todos nós.

Mas a rota do planeta não se altera. Materiais inflamáveis em contato com o fogo continuarão a queimar quase instantaneamente; lugares apertados continuarão a não dar vasão a uma grande quantidade de pessoas no mesmo momento. E aparentemente, essa visão de diversão incrustrada nas pessoas de que uma casa noturna precisa ser como um curral humano provavelmente não irá mudar muito. A questão que fica agora é uma grande interrogação pairando sobre todos aqueles corpos de jovens universitários. 

Algumas pessoas se apressam em responder; "estava na hora deles", "Deus chamou-os pra perto", "Deus conforte essas famílias". Bom, um observador imparcial e sem papas na língua perguntaria onde estava essa proteção toda que, se de fato vê a tudo e a todos, observou o pânico e o horror de mais de cem pessoas que no escuro absoluto confundiram a saída principal com o banheiro e morreram todos lá sufocados e amontoados, e nada fez para impedir. 

Tentamos o tempo todo contornar o mundo real, porque ele nos desagrada profundamente. A ideia que todos eles estão num lugar melhor nos daria conforto de fato. Mas o nosso conforto pode em nada corresponder ao que de fato ocorre no mundo real, assim como a fé na cura de uma doença grave enche os olhos de lágrimas de quem passou pela experiência, somente para ver o retorno da doença meses depois e vir a falecer dela. Além do mais, em nada ajuda se pensarmos que ele serve pra diminuir a indignação; a não ver as causas reais desse assassinato onde elas estão e buscar explicações que, de alguma forma nos digam que há um plano maior naquilo tudo, que a vida de tantas pessoas gentis, educadas e simples não podem ser riscadas assim abruptamente sem um motivo digno.

Acompanhei uma das declarações da coordenadora dos psicólogos e terapeutas envolvidos no atendimento aos familiares e profissionais envolvidos no resgate. Ela dizia que, quando a família chegava ao funeral e encontravam o caixão fechado, esses profissionais são orientados a abrir para que as pessoas vejam que de fato, aconteceu. Pode parecer duro, mas há uma explicação plausível e convincente pra isso. Segundo ela, a negação da morte costuma desenvolver traumas que acompanhama  vida de muitas pessoas que ficam. Ninguém quer perder um ente querido e a dor é angustiante, definitiva, sem alívio naquele momento. Mas, para o bem e para o mal, é assim que o mundo é.

Se construímos nossa civilidade  sobre os frágeis alicerces da negação de como o mundo real funciona e permitindo que um sistema injusto em que alguns poucos gerenciem o que é de todos às custas de cuidados básicos que são indispensáveis, inventar desculpas e buscar refugio na ilusão sobrenatural não ajuda aqueles que ficam aqui nesse mundo. Temos sim de chorar os nossos mortos. Temos de atravessar o vale de lágrimas a que estamos todos sujeitos num mundo que não entendemos bem. Mas temos também de começar a cobrar de quem de direito; de mostrar que a vida ceifada não pode ser em vão. Não deve.

E finalizo deixando o link para as fotos dos que pereceram na boate em Santa Maria. Na feição de cada um, um sorriso satisfeito de quem buscou seu melhor ângulo para ser visto pelos outros. Olhá-los agora torna o inacreditável palpável, humano, real. E faz a indignação chegar aos limites que já não podem ser contidos por discursos de consolo de nenhum tipo.


segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

BBC e a FIFA...

Um documentário fundamental para quem gosta de futebol. E um motivo a mais para os que não gostam.


domingo, 30 de dezembro de 2012

A Índia em todos nós...

Em cada cultura, é possível ver traços que ajudam a compor o que de fato somos. Cada uma das particularidades da vivência de povoados que se transformaram em cidades no decorrer do tempo representam, antes de ações individuais que nada teriam a ver com outras culturas distantes, uma oportunidade de nos conhecer melhor enquanto espécie sob condições diferenciadas. 

As palavras de Martin Niemöller esvoaçavam na minha cabeça enquanto lia as últimas notícias na Índia sobre a estudante de 23 anos que foi brutalmente espancada e estuprada coletivamente num ônibus. Niemöller foi um pastor luterano alemão que era inicialmente a favor do regime nazista como a maioria dos clérigos e religiosos de então, e atribuía a culpa das atrocidades sofridas pelo povo judeu aos próprios, sob o cansativo argumento que teriam matado "nosso senhor jesus cristo". Acabou que ele decidiu voltar-se contra o sistema e foi preso por isso. É autor do conhecido poema que fala sobre o sistema de governo que vai levando os vizinhos por serem judeus, católicos e assim por diante, enquanto o narrador nada faz para impedir por que não pertencia àqueles grupos. Um dia ele se vê só, na iminência de ser preso e sem mais ninguém que fale por ele.

Não é difícil encaixar essa situação em muitas manifestações sociais ao redor do mundo em todas as épocas. Mas o motivo pelo qual isso me soa constantemente nesse caso da Índia é a proporção da indignação que toma conta das ruas. Basta ler um pouco sobre a cultura local para saber que estupros em mulheres ocorrem diariamente lá e poucos são noticiados. O motivo está diretamente ligado ao costume aparentemente abraâmico ainda de não dar voz à mulher. A família escolhe com quem ela se casa, o marido e a família dele escolhe onde ela vive, com que roupas; obviamente é mais fácil agir enquanto ela ainda é criança (a idade preferida de culturas e religiões para se propagarem), e com frequência, meninas são casadas com velhos. Entretano, se ficam viúvas são absolutamente proibidas de se casar de novo, e os bens do seu finado ficam com os pais. Mal andam nas ruas, não tem voz ativa; além disso, exames que identificam o sexo do bebê foram proibidos pelo governo para evitar que, sendo menina, sejam mortas ainda como feto.

Como se sabe, seis homens, numa demonstração clara da nossa origem bárbara, atacaram a tal estudante com uma barra de ferro e a jogaram fora de um ônibus em movimento. Ela faleceu em Cingapura, para onde foi oficialmente transferida devido ao estado dos ferimentos. Entretanto, a transferência pode ter sido para que não morresse em território indiano e aumentasse ainda mais a comoção popular. Mas que comoção popular?

Bom, aqui é que fiquei intrigado. Como uma sociedade que zela tão cuidadosamente de normas tão absurdas para qualquer pessoa racional se indigna quando alguns homens criados sob a sua tutela resolvem "cobrar o que é seu por direito"? Não são os homens os melhores? Não foi pra eles que tudo em volta foi criado, cabendo a eles decidir o destino de suas esposas sem que delas se saiba o que pensam? Não é a mulher pior que um objeto, constantemente discriminada, um peso para suas famílias por simplesmente existir?

Aparentemente, somos mais complexos ou mais simples do que pensamos; basta escolher um deles, ou ambos, se preferir. Sócrates era um dos grandes filósofos gregos que gozava de grande prestígio em seu tempo, mas foi condenado à morte precisamente por isso. Coriolano era um grande general romano, coroado pelo povo como um herói de guerra numa grande comoção popular, mas bastou uma pequena manobra e seria expulso e condenado a vagar sozinho como um sem pátria. Jesus, o nazareno, foi recebido com palmas num dia e crucificado outros depois. E a lista segue, incessante, até nossos dias. Nesse caso, temos também o efeito inverso: uma mulher é estigmatizada como o que de pior pela cultura que pertence num dia; conhece a dor, a humilhação, a violência sem limites ou escrúpulos e falece para, dias depois ser considerada a "Filha da Índia" pela mesma sociedade que legou sua condição fatídica.

Alemãos, judeus, indianos, gregos, romanos, judeus de novo; somos todos separados por estigmas culturais e de convivência. Adotamos idiomas diferentes, costumes diferentes e evoluímos diferentemente. Mas essas diferenças escondem nossa fragilidade, que é a mesma. Escondem o desejo infinito que temos de amar, só comparado ao igualmente infinito desejo de causar dor ao outro. Somos previsíveis e inconsequentes demais.

A vida de rebanho faz com que valores não sejam questionados. Quem consegue perceber as formas sutis que essa expectativa social abre, penetra mais profundamente no pensamento coletivo. Para usar de franqueza, não encontrará nele um grande manancial de conhecimento; é bastante monótono lá, com ideias montemáticas simples, frases de efeito usadas sem que se saiba de onde saíram, quem disse, ou por quê. Mas para aqueles com a predisposção ao poder, dominar esses artifícios o faz o candidato ideal para governar multidões, pastorear rebanhos.

Sociedades vivem anos a fio uma realidade que não lhes agrada em geral, mas que os favorecidos parecem se esforçar por perpetuar. Via de regra, só serão transformadas quando os favorecidos mudarem de lado na equação. Ou... por meio de um gatilho social; um estampido, uma chama inicial, a fagulha que incendeia a pólvora coletiva das amarguras sem solução, das preces não atendidas, das noites mal dormidas. Mas ainda assim, os oportunistas estão especializados há séculos nessas manobras, e tomado o castelo e derrubado o rei, todos querem voltar às suas vidas normais e deixar alguém tomando conta.

É impossível prever que tipo de movimentação casos como esse permitirá. Pode ser o estampido para a guerra entre a tradição atrasada e medíocre e um desejo de mudança que espreita há tempos adormecido. Ou mais um passo, mais uma gota de um copo que parece aumentar convenientemente de tamanho para evitar o transbordo.

Pode-se dizer com segurança, porém, que a mulher assassinada não foi uma revolucionária; foi uma vítima de um sistema preguiçoso por rever suas ideias. Não foi a primeira, nem será a última.  






terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Feliz Natal!

Eu podia começar isso desejando um Feliz Natal e indo embora, já que meu blog tem ficado inerte por minha ausência de tempo em poder gerenciá-lo. Mas, culpem-me do que quiser, eu não consigo ficar sem dizer algumas palavras. Talvez seja coisa de menino, dessas que os adultos não entendem; "por que tem de falar?"; "que mal há em ficar quieto, sem necessariamente ficar apontando o que acha um equívoco?". Dizem que cada gesto seu a respeito do mundo está muito mais perto de dizer sobre você e, ao invés de aclará-lo, deixa o mundo ainda mais confuso. Se for assim, sei que sou um prato cheio para psicanalistas de ocasião. Mas devo dizer que também sou um deles e levo adiante enquanto falo uma bateria de testes sobre mim mesmo, e que controlo com rigor metódico. 

Bom, o natal é visto como uma data chave na tradição cristã ocidental. Digo ocidental porque nesse exato momento, o país mais populoso do mundo possui uma influência cristã pequena, patética quase. Não é melhor ou pior por isso, a priori, mas é um exemplo importante para pontuar que enquanto muitas pessoas falam em termos de uma data global, ela de fato diz pouco sobre uma plêiade de pessoas do outro lado do globo.

Por outro lado, se focarmos na nossa tradição ocidental, mas olharmos para além das fronteiras temporais a que nos habituamos, veremos que o natal já era comemorado muito antes de Jesus nascer. Alex Klein falou outro dia que antes de ser usado para celebrar o nascimento de Jesus, era considerado o dia da árvore. Não sei exatamente até onde isso procede, mas não me espantaria em nada que assim o fosse. Sabe-se que um edito de 350 anos após a era de Jesus foi que estabeleceu seu nascimento, não só como uma medida para dirimir uma dúvida que ninguém conseguia, mas sobretudo para se antepor a uma festa de outra religião, vulgarmente chamada pagã (`por que assim é que eu chamo tudo que não é a minha`), em que se comemorava o solstício de inverno do deus Sol.

Do ponto de vista da sociedade de então, fazia muito mais sentido comemorar um deus que tinha, de fato, uma inferência clara nas colheitas e na vida cotidiana. Nunca é demais dizer que achava-se que ele prescrevia uma rota sumindo e aparecendo do outro lado; demoraria muito tempo para alguém propor algo mais realista: que na verdade, nós é que prescrevíamos uma roa em torno dele. Mas por uma série que movimentos na história, sempre complexa demais para caber no que se escreve a respeito dela, a religião de cunho cristã foi se impondo.

Nada demais para a época, é preciso que se diga. Roma sempre que subjulgava uma nação, trazia consigo as pretensas divindades veneradas no lugar, construíam um templo em sua homenagem e a incluíam nas suas festas anuais. Foi Roma, cujo império ergueu muito da civilização moderna de concentração de pessoas em grande cidades, quem oficializou a religião cristã. Mas só o fez quase quatro séculos depois, e os cultos cristãos então realizados eram tão diversos, tão diferentes entre si que a igreja nascente ali precisaria de mais uma dúzia de séculos para unificá-los. 

Esse reconhecimento tardio deve-se ao fato incômodo aos crentes mas factual que a religião cristã não foi fundada por Jesus. Ele era um judeu falando a outros judeus e a Bíblia, por mais que padres e pastores se esmerem em torcer significados, é clara a esse respeito. A insignificância do movimento de Jesus em seu tempo fica evidente quando justapomos o que se diz a seu respeito hoje em grau de importância e o que se sabia a respeito dele na época. Ora, ninguém sabe quando nem como ele nasceu; os quatro evangelhos aceitos são contraditórios em muitos aspectos e, ademais, excluem convenientemente as informações do que Jesus fez dos doze aos trinta anos. Considerando as alusões ao seu nascimento uma invenção que buscava legitimar uma ideia (comum nos escritos de uma época em que não se sabia a sua origem), o que se tem de mais concreto são os três anos em que Jesus apareceu como mais um dos messias que coalhavam Jerusalém da época.

Os mecanismos que fizeram de Jesus o que é são complexos e não me atreveria a sequer tentar esgotar isso com uma conclusão apressada. Mas essa afluência atual em torno da sua figura é muito mais um fenômeno moderno, que nada tem a ver com o nazareno enquanto homem. Isso, claro, se é que existiu. As pessoas que esperam sua segunda vinda são convictas da mensagem que acreditam ser dele. As pessoas se acostumam a não fazer perguntas; a receber os conceitos sem pesquisar uma linha que seja. E assim, você dificilmente encontrará um seguidor cristão que seja capaz de articular razões para sua crença fora daquilo que o seu pastor ou padre prega nos fins de semana. Ele lerá a Bíblia como o melhor dos livros sem achar estranho que a magnitude do que é dito ali use como referência o próprio livro. É verdade porque... está ali. Não é à toa que essa credulidade tornou-se uma forte razão de exploração em todos os níveis possíveis no mundo moderno.

E ainda assim, as redes sociais são tomadas sobre "o verdadeiro sentido do Natal"; todo mundo explica que é Jesus, não o papai noel. Bom, segundo a população em massa do outro lado do globo e de todos os que viveram no passado, não é nem um, nem outro. 

O Natal é uma comemoração que está há muito tempo na nossa civilização. Mudou de sentido algumas vezes para acomodar crenças de forma conveniente, e a recorrência da História é um sinal claro que pode sofrer mudanças dessa natureza no futuro. Independente da crença que se tenha, a ideia de parar e celebrar com os seus uma esperança que parece se afogar no dia a dia em que vivemos é tão necessária quanto real. Era assim no tempo da deusa árvore, de Hórus, de Jesus ou quem mais vier. 

O que faz do Natal a sua maior força é a reunião entre os que não se viam. De encontrar de novo seus amigos e parentes e ver nos sorrisos e abraços uma identificação natural que reforça em cada um os laços profundos que constroem o que somos: uma rede interlaçada de pessoas que contribuem mutuamente pelo bem estar do outro. Senão de todos, ao menos daqueles que amamos.

É isso. Um feliz natal com aqueles que lhe são estimados!




sábado, 17 de novembro de 2012

PCC em... SC?



É muito fácil criar o pânico que os jornais e tevês transmitem hoje em dia. E não é difícil demonstrar como isso pode ser feito. Três ou quatro pessoas bastam. Se cada uma delas contratar uns pobre diabos com a missão de parar um ônibus, mandar todo mundo descer e tocar fogo, saindo em disparada em seguida, poucas pessoas argumentariam que seria impensável. Ora, qualquer um pode subir num ônibus e anunciar a ordem de evacuação, um assalto, ou mesmo aquelas pregações que ninguém ali pediu (ou teria ido a uma igreja ao invés de bater perna). Ofereça ainda como troféu R$ 50,00 a cada posto da PM que eles conseguirem alvejar com suas armas calibre 12, montados em motos 125.

O resto, a imprensa e os duplicadores de redes sociais fazem por conta. “Ataques já somam 12 ocorrências”; “secretário Ciclano fala em 60 mortos”, e pouco importa se ele incluiu o fluxo regular de homicídios que um estado normalmente tem; afinal, quem está prestando atenção?; “a polícia já prendeu X pessoas”, mas aparentemente ninguém fala a mesma língua já que não são dados os nomes de quem seja o mandante, nem o por quê. E com base em manchetes como essa, a “rede” se agita e encarrega-se de transmitir a mensagem: o crime tomou conta.

Nessas horas eu sempre percebo a falta que faz de um pouco de filosofia nas escolas, porque a massa dá demonstrações diárias de ser beata demais. Os meios de comunicação, que deveriam ser os primeiros a divulgar TODAS as informações e analisar os fatos sobre todos os ângulos são os primeiros a tergiversar, fazerem o enredo de novela... e  por que não? E a venda dos jornais que quase já não saíam, não aumentou? E as redes sociais, você pergunta. Bom, elas são a extensão das pessoas por trás delas. De cada dez frases publicadas com fotos de floresta, no mínimo a metade erram o autor. Como podem ser elas um contraponto à mídia corporativa a quem o terror das pessoas tanto interessa? Simples: não podem. Não ainda. A foto da movimentação de caminhões do Exército na rodovia catarinense é o sinal que faltava; a situação está fora de controle e o Exército “foi” para SC. Claro que o fato de o Exército já estar em SC parece não ter ocorrido às pessoas que abonaram a ideia.

Mas e as três ou quatro pessoas lá do começo, o que fazem? Que tal tomando cerveja num bar e rindo de como as pessoas são facilmente assustadas? Quando o pavor toma conta, as perguntas que deviam ser feitas não são. E pessoas que não questionam são como muitos dos que conheci na minha vida de estudante toda; só estão ali pra levar a nota. E olha que as perguntas e serem feitas nem são difíceis.
Podia-se começar com quem ganha em assustar as pessoas do Estado, espalhando o caos? Se alguns policiais tiverem pessoas inconvenientes a eliminar, não seria uma boa hora? Observe que inconvenientes não são necessariamente bandidos; talvez até outros policiais menos coniventes, ou um novo comando cuja presença incomoda a um grupo. E portanto não seriam eles esses suspeitos de serem esses três ou quatros que armaram o circo? Em Salvador, na Bahia, durante a greve da polícia, alguns dos próprios policiais não ficaram contentes em ver a criminalidade não triplicar nas ruas, então eles mesmos puseram máscaras e saíram atirando nas ruas como se estivessem no velho Oeste. Filmado e tudo o mais.

Muitas outras possibilidades podem ser arroladas aqui, mas é certo quem quer que seja o(s) mandante(s), seu objetivo é causar pânico. Ninguém armado de um pica fogo qualquer sai atirando em cabines da Polícia de graça. Nem deixa pra queimar ônibus sem ninguém dentro em pontos finais de linha à toa.  Em todo o caso, antes de ficar compartilhando notícias de quantos ônibus forma queimados, talvez seja prudente verificar, por exemplo, se os donos da empresa não estão com dívidas suspeitas, se os suspeitos não são vacas de presépio de um enredo maior, geralmente menos fantástico e mais simples.