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sábado, 31 de dezembro de 2011

2012 e o balanço anual

E 2011 agoniza em suas últimas horas.

Um ano. "Passou voando", dirão uns; "passou se arrastando", dirá o encarcerado.
 
Eu estive em vários lugares, conheci muita gente, deixei o convívio de outras, vivi várias vidas. Vi o sol nascer e se pôr muitas vezes, amei e fui amado. 

Trago comigo todos os meus grandes amigos, suas melhores tiradas, seu sorriso mais debochado, aquele aperto de mão inesperado, o abraço despretencioso mas tão necessário...  

Também carrego em pensamento seus momentos mais tristes, o desânimo dos que se julgam pequenos, incapazes, dos que se cobram demais. Suas lágrimas, incertezas, dúvidas...    

Mas não só eles... também trago pessoas que conheci pouco, as que só ouço falar, as que nunca vi. Seus pensamentos, materializados por uma idéia, um lampejo de criatividade, um livro, uma frase. Uma música que bailou incólume em sua imaginação, anotada em algumas linhas e que todos nós agora tentamos reconstruir cada vez que tocamos.

Também trago comigo a vida dos que já se foram; a longa marcha de meus ancestrais que atravessaram savanas e continentes, campos e cidades. Entre cavernas e tavernas, o medo que o fogo do conhecimento afugentou...

E de todos eles, absolutamente todos, tenho aqui comigo uma parte. E desse gigantesco caledoscópio do qual sou sou composto, dificilmente saberia dizer ao certo onde eles terminam e eu começo.

Esse pensamento me embala e me acorda. Permite que eu veja além da trama dos fios que cobre o céu. A cada dia, eu tenho a sensação que, como representante dessa longa jornada de pessoas, descendente de guerreiros, nobres, artesãos, carpinteiros; de todos eles, aprendi também eu a ser um forte. A não me curvar ao que não se conhece, nem me deixar vencer pelo desânimo. A combater a maldade e a ignorância,  a ironizar os obtusos e rir da hipocrisia.

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E como uma formiga, eu sigo a marcha traçada há muito por força de circunstância, embora tenha aprendido cada vez mais a delinear eu mesmo seu contorno e trajetória.

Nesse ano novo, não faço promessas. Não salto ondas, nem peço nada. Eu aprendi do que a fumaça é feita. Só agradeço a todos esses que, conscientes ou não, cruzaram meu caminho e incrustraram em mim o desejo de viver e de ser esse elo entre os que viveram e os que ainda viverão.

Boas festas e um grande abraço!!

 

sábado, 24 de dezembro de 2011

Um dia para pensar...

Algumas pessoas acreditam que no dia de hoje, há pouco mais de dois mil anos atrás, um ser humano diferente nasceu. E que, em função disso, também devemos todos renascer a cada fim de ano nesse mesmo dia. A comemoração do nascimento que definiu o início da nossa era, a paz entre os homens...
A base do presépio de cada árvore de natal carece no entanto de realidade...

Sabe-se que Jesus não nasceu no ano 1, nem tampouco no dia 25 de dezembro. De acordo com fontes da época, como as datações de governantes e eventos, sabemos que a atribuição do ano 1 como sendo o do nascimento foi arbitrário. Ele teria, de fato nascido quatro anos antes. O dia 25, destinado até então ao sol e seus deuses, foi uma associação feita durante o processo pelo qual a igreja cristã passou a ser a religião oficial do império romano. Esse é, como muitos outros na história da cristandade, um exemplo da proximidade existente entre os mitos biblícos e de outras culturas ou crenças.

Depois, a idéia que renascemos a cada ano tende a fazer certas pessoas acharem que, não importa o quão ruim o ano seja (ou elas sejam durante esse tempo), "no fim, tudo dá certo". Mas não dá. Estatisticamente, em vários lugares desse nosso mundo, esse ano foi o último de inúmeras pessoas. Vários pisca-pisca que apagaram-se pra não mais acender, até onde sabemos. Sem dúvida, dentre elas haviam aquelas que não diziam o quanto alguém lhe era importante pessoalmente, não tinham o hábito de desculpar; pessoas que deixaram pra depois porque acreditavam, dentre outras coisas, que a razão pela qual estavam aqui ainda não tinham se revelado. Claro está que para eles, o anjo chegou tarde.

Eu gosto, honesta e sinceramente do Natal, embora duvide de inúmeras fontes que o originaram. E acho que a idéia simples é essa: o sentido que damos. As luzes, as cores, os sorrisos e até os choros. Percebo nessa época uma maior aproximação entre as pessoas e isso é bacana. Há também uma maior propensão ao perdão, à tolerância e ao reencontro. Não tínhamos que escolher um dia do ano para nos comportar assim, ou pior, para nos lembrar do que devemos fazer. Mas é assim que somos. Enfeitamos lentamente nossa árvore nesses anos todos que são nossa trajetória humana nesse planetinha. Aprendemos a duras penas em termos de espécie, e serão necessárias muitas perdas humanas ainda até que aprendamos a ser melhores de fato.

Eu aproveito para rever as pessoas que me são caras nessa minha curta vida. E são tantas, de tantas maneiras e formas que me seria impossível viver sem elas. Eu viveria sem um natal, mas nunca sem essas pessoas. Felizmente, não preciso esclher entre um ou outro; posso ter ambos. E melhor do que qualquer simbologia que me foi passada por centésima mão, dou a essa data o significado que desejo: um dia em que não precisamos de um salvador, nem de um redentor. Somos o melhor que poderíamos ser, basta que nos demos conta disso. Feliz daqueles que não precisam ser salvos, por que deles é a recompensa maior: viver plenamente.

Grande abraço a todos, e bom Natal.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Christopher Hitchens 1949–2011





O mundo ficou definitivamente mais triste essa semana: faleceu o jornalista, crítico, ativista político e intelectual, Christopher Hitchens. Sua retórica impressionantemente precisa, embasada, bem estruturada, dividiu seus opositores entre o escárnio dos obtusos e a admiração dos pensantes. Na vida, errou muitas vezes; alcólatra confesso, fumante inveterado, seu corpo finalmente deu sinais de falência.

Porém, seu espírito vivo e combatente foi uma demonstração pública de uma coragem com paralelos dificilmente vistos. Seu translado nesse planeta foi determinante para a transformação da vida de inúmeras pessoas que estavam ocultas sob o véu da ignorância, e que ele constantemente atacou de frente, sem rodeios. Nunca invejou o consolo dos crédulos e teve a ombridade de sustentar isso em alto e bom som. Em parte por conta do seu trabalho, a crença sem provas que põe no mesmo nível deuses tão diferentes só demonstram ainda mais o caráter especulativo sob o qual essas crenças são construídas. 

Jornalista de fronts de batalhas in loco, expos as farsas por trás de várias das guerras recentes, como a da Bósnia e Sarajevo. Mas foi sobretudo as guerras ideológicas que travou as que mais pessoas beneficiou. Demonstrou através de relatos e documentos a farsa da figura de Madre Teresa de Calcutá, aclamada mundialmente como exemplo de bondade, mas que não tratava de nenhum dos doentes com a medicação necessária. Empilhados em colchões no chão como um depósito humano, essas pessoas só tinham o consolo da oração.



Agora, passados seus 62 anos, Hitchens entra definitivamente na história como um homem cuja trajetória ensinou a recusar a mentira que conforta, a negar a satisfação com algo que não explica nada, como as pessoas religiosas tanto se habituaram. Sua imagem continuará reluzente em vídeos e livros espalhados pelo planeta, e suas palavras continuarão a ser ouvidas. A única imortalidade que sabemos ser efetiva, a de permanecer na memória daqueles que ficam, essa ele tem de sobra. E eu sinto-me feliz de ter sido seu contemporâneo por algum tempo, ainda que nunca o tenha conhecido.


quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

"Ciaccona del Paradiso e del Inferno"

Philip Jarousski e o grupo Arpeggiata numa interpretação bem humorada dessa canção anônima do século XVII.
 

Segue a letra e a tradução, que tirei daqui.

O che bel star è star in Paradiso
Dove si vive sempr'in fest'e riso
Vedendosi di Dio svelat'il viso
O che bel star è star in Paradiso.

Ó que bom é estar no Paraíso
Onde se vive sempre em festa e riso
Vendo Deus revelar o viso
Ó que bom é estar no Paraíso

Ohimè ch'orribil star star nell'inferno
Ove si viv'in piant'e foco eterno
Senza veder mai Dio in sempiterno
Ahi, ahi, ch'orribil star giu nell'inferno.

Mas ó que horrível é estar no inferno
Onde se vive em choro e fogo eterno
Sem nunca ver o Deus Sempiterno
Ai, Ai, Que horrível é estar lá em baixo no inferno.

La non vi regna giel, vento, calore,
Ch'il temp'è temperato tutte l'hore
Pioggia non v'e tempesta, ne baleno,
Ch'il Ciel la sempre si vede sereno.

Lá em cima nunca reinam gelo, calor, vento
Onde o clima é temperado todo tempo
Chove, mas não há tempestade, nem trovão
Pois o Céu lá sempre sereno verão.

Il fuoco, e'l ghiaccio la, o che stupore
Le brine, le tempeste, e il somm'ardore
Stann'in un loco tute l'interperie
Si radunan laggiu, o che miserie.

O fogo, o gelo lá, ó que estupor
A geada, as tempestades, e o grande ardor
Estão no mesmo lugar todas as intempéries
Se agrupam lá em baixo, ó que misérias.

Havrai insomma la quanto vorrai
E quanto non vorrai non haverai
E questo è quanto, o Musa, posso dire
Pero fa pausa il canto e fin l'ardire.

De fato, tudo quanto se imagina, lá haverá
e o que não se imagina, lá também encontrará
E isto é tudo quanto, ó Musa, posso dizer.
Pois interrompe o canto e pare de se atrever.

Quel ch'aborrisce qua la tutto havrai
Quel te diletta e piace mai havrai
E pieno d'ogni male tu sarai
Disperato d'uscime mai, mai, mai!

Aquele que odeia aqui, lá tudo terá
Aquele que te ama e te gosta, lá nunca estará
E cheio de todo mal tu estará
e sempre desesperado sair quererá.

O che bel star è star in Paradiso
Dove si vive sempr'in fest'e riso
Vedendosi di Dio svelat'il viso
O che bel star é star in Paradiso.

Ó que bom é estar no Paraíso
Onde se vive sempre em festa e riso
Vendo Deus revelar o viso
Ó que bom é estar no Paraíso.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Suzie LeBlanc em "Lascia ch'io pianga"

A música de Haendel, numa interpretação que tenta aproximar-se na concepção original, usando inclusive os instrumentos para os quais a obra foi composta.

Deixe que eu chore minha sorte cruel, e aspire à liberdade...

sábado, 10 de dezembro de 2011

Viciados em felicidade

Antes de mais nada, tenho de confessar: não uso o Facebook. Tenho uma conta lá (com uma foto de quando estive em Milão) cujo único objetivo é me conectar rapidamente, sem cadastro, em sites de livros e de compartilhamento de arquivos. Minha conta no Orkut está às moscas há mais tempo e não é raro as pessoas me perguntarem porque sumi.
Para além de constatar o fato evidente que para muitas pessoas, você é o que está nas redes sociais, por si só um sintoma de uma patologia moderna que só o distanciamento histórico vai poder analisar em toda sua plenitude, tenho pensado há algum tempo no uso que muitas pessoas fazem dessas redes. Sim, eventualmente (muito), eu entro lá, leio algumas mensagens (a maioria vírus), apago e acabo "aceitando" alguns amigos que me "convidam". 

Nessas idas, eu tenho a oportunidade de constatar um fenômeno que eu via em e-mails, mas em menor grau: a grande quantidade de pessoas desesperadas por felicidade. Todo mundo já deve ter recebido aquelas mensagens sem destino certo e que partem do princípio que você está precisando de ajuda, sempre. Mais do que isso, você tem a obrigação de ser feliz. 

É curioso que na maioria dessas mensagens compartilhadas, o teor seja sempre o mesmo, e que o paradoxo incoerente de como nos projetam enquanto espécies seja visto como lógico. Nesses casos, apesar de tudo à sua volta ter sido feito pensando em você e com todo o universo conspirando a seu favor, o que aparentemente é a explicação para pensamentos como "no fim tudo dá certo" ou "o que é nosso tá guardado", somos ao mesmo tempo esse frangalho humano que incapaz de lidar com o que quer que seja sem ficar choramingando por pedidos de força a um além imaginário. Acredite e confie são palavras de ordem. 

A necessidade de ser "salvo" é pra mim duplamente problemática, por ser ao mesmo tempo incoerente e humilhante. Incoerente porque ser salvo implica em um "do quê" que nunca permite-se falar muito a respeito, porque no fundo vai demonstrar a grande falácia que a história toda é. E é impressionante que as pessoas vivam suas vidas baseadas em algo que a simples pergunta "como você sabe?" causa um constrangimento visível. Mas a idéia de salvação é sobretudo humilhante porque pressupõe que todas as pessoas consideram-se tanto quanto o interlocutor que a propõe. Aparentemente não ocorre a essas pessoas que se elas acham que precisam ser salvas, até vá lá, mas imaginar isso é valido para o outro que ela não conhece e não quer conhecer, é muita hipocrisia e arrogância.

Desconfie de quem se diz porta-voz de coisas que mais ninguém pode ter acesso. Somos criaturas complexas, expostas a um mundo que ainda não entendemos bem, mas estamos cada vez mais resolvendo essa equação. Dar certo ou dar errado pode ser uma questão de ponto de vista, mas ambos acontecem e nada indica que seja pra você aprender algo. É fato que aprendemos com isso se estivermos atentos.

Da mesma forma, eu lamento dizer, você não tem 458 amigos como a sua página tenta te mostrar. Amigos que mereçam essa maiúscula na frente são raros, e nem sempre são pessoas óbvias. Estar lá para alguém é algo extremamente difícil, e é uma atitude madura da parte de quem for imaginar que não se pode exigir isso de qualquer pessoa.

Redes sociais são um veículo que passaram a comunicar instantaneamente as pessoas, e de repente, tudo que é dito é visto por todos. E aí? Aí nada se você não tem o que dizer. Essa felicidade a qualquer custo, essa necessidade de "salvar" os outros de uma infelicidade que alguém vive e pressupõe ser a de todos é sintomática de um mundo em que se banaliza a educação séria como construção do indivíduo pensante ou algo que o valha.

Viciados em felicidade são como viciados em açucar, por exemplo. Começa-se com um hábito agradável, mas que vai ficando mais e mais voraz, afastando o que é amargo, depois o que é salgado e, por fim,  até o que não é bem doce. No fim, a negação do seu oposto destrói o paladar completamente, ao ponto de já não sabermos mais se o que temos em mãos é doce. Perdendo a comparação, nos desconectamos da realidade e embarcamos numa ilusão, virtual ou não.

E pra acabar, um vídeo escrito e interpretado por Ross Gardiner.


O menino de madeira...

O velho vivia triste e amargurado. Um dia, não suportando a solidão da cidade, vendeu a pequena marcenaria e foi para o campo. Lá, construiu a própria casa e passava os dias a vagar pelos arredores. No topo de uma planície, não muito longe de casa, havia uma árvore pequena, frondosa e bela, que parecia reinar sobre as outras. O velho sentava em suas raízes e encostava a cabeça no tronco tentando ouvir o que dizia. Ele não sabia bem porque, mas acreditava que havia uma vida dentro dela. Uma voz suspirando baixinho, pedindo para ser liberta.

Numa manhã gelada e nebulosa, o velho deu a volta por trás de casa; trazia um machado. Com destino certo, atravessou a grama molhada e com o machado golpeou o tronco repetidas vezes. Os estilhaços voavam fazendo-o acelerar seu trabalho entre as pausas para descanso cada vez mais frequentes. Ainda assim, numa hora ou outra um dos dois tinha de ceder. Quis o acaso que fosse a velha árvore. O som agudo e grave atravessou o ar, e quase no fim do dia o velho já arrastava o pedaço de madeira pelo campo até sua casa.

Por dias a fio ele trabalhou com empenho, lapidando, esculpindo, martelando. A forma rugosa e arredondada foi dando lugar a uma forma mais conhecida para o velho. Em vez de veios irregulares e disformes, a figura agora lembrava um homem; na verdade, um menino, pra ser exato. Quando ficou pronto, era possível ver que seu rosto esboçava um leve sorriso porque o velho assim o tinha esculpido, mas seus olhos demonstravam o horror de se ver articulado, caminhando errante pela oficina, esbarrando nas coisas.

O menino de madeira demorou a entender como suas mãos deveriam funcionar; abria e fechava os dedos olhando para eles assustado. Nunca pronunciou uma palavra que fosse, e basta dizer que é por ser ele de madeira, imediatamente cai por terra a pretensa explicação, já que ele tampouco deveria estar vivo.  Ainda assim, assim foi... e o velho passava seus dias ensinando o menino de madeira a caminhar, empunhar coisas, fazer pequenas tarefas. E ele ia aprendendo a manusear as ferramentas do velho, a correr pelo pátio... e parecia nunca se cansar. O sorriso desenhado em seu rosto e os olhos de contas eram como uma máscara imposta e que em nada lembra o que ele realmente sentia.

Apesar de não falar, o menino ouvia e parecia entender o que o velho dizia. Sempre no fim da tarde, ambos sentavam em uma colina de onde se podia ver o por do sol. De lá, o velho contava suas histórias, de como veio parar ali, de como achou a árvore que resolveu por abaixo para construir seu boneco e, mais importante, de como o menino-boneco finalmente ganhou vida. E o menino de madeira com a cabeça no peito do velho ouvia-lhe a respiração profunda, o coração batendo cada vez mais fraco. E parecia ouvir nele uma vida querendo ser liberta.

Um dia, perto do horário do por do sol num inverno rigoroso, o menino vinha na direção do velho já sentado na colina. Distraído com o movimento dos pássaros no céu, o velho não percebeu que a madeira feita menino trazia em mãos o seu velho machado. Sem aviso, nem despedidas, mas também sem alegria ou tristeza, o menino golpeou seguidas vezes o marceneiro, cujo assombro no rosto exprimindo o quão inesperado era o gesto rapidamente sumiu, por entre golpes cada vez mais constantes e precisos...

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Isolado por iniciativa própria, o velho jamais foi encontrado. Do menino feito de madeira, nada se pode dizer, já que seus pensamentos são, como sua vida, uma incógnita... De tal feita que não se sabe se agiu por vingança ou gratidão; se foi liberto ou aprisionado naquela forma que não lhe era natural; ou se queria ajudá-lo da única forma que foi ensinado a fazer. Também não se pode dizer que o fez por conta de uma dor lascinante que o acompanhou desde a primeira machadada quando ainda era árvore, ou se pela completa ausência dela... as duas, sensações igualmente lastimáveis. E como ele nunca proferiu palavra, tampouco sabia-se qualquer intenção sua em virar gente de verdade.
 
O que ouviu-se dizer foi que durante muito tempo, o menino de madeira vagou ao redor da casa sem destino, com o sorriso que ganhou sem pedir estampado na face e os braços e pernas tingidos de vermelho... até o dia em que também ele não resistiu e caiu de joelhos para em seguida tombar sobre a relva...



domingo, 4 de dezembro de 2011

Evolução em "não deu..."

Sensacional!


Domingo, dia de estudar!

Tem gente que usa muitas cordas pra nada...



Enquanto outros, só precisam de quatro pra fazer acontecer...




Mais de Botswana aqui.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Valdemiro e a cara de pau sem fim

Com vocês, o comediante da igreja que é um deboche a qualquer pessoa de raciocinio mediano...



E aqui, alguns da bancada evangélica fazendo pose e dizendo bobagem ao lado de quem? Ele, é claro... "a maior autoridade hoje reconhecida"...por quem é inteligível. 

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Minha Dissertação de Mestrado: Fantasia Sul América para Clarineta Solo de Cláudio Santoro.

Definitivamente, nossas ferramentas de compartilhamento de informações melhoram a cada dia. Ainda lembro de uma época em que tínhamos de pedir cópias pelo correio a um custo alto e sob pena de não ser algo que você realmente estivesse interessado.

Os tempos são outros...

Bom, durante os anos de 2006 a 2008, estive cursando o mestrado em execução musical na clarineta em Salvador-BA, na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Meu tema foi sobre uma obra importante para a clarineta mas ainda pouco estudada até então: a Fantasia Sul América para clarineta solo de um dos grandes compositores brasileiros, Cláudio Santoro.

Aproveitando esses meio de divulgação, e do fato de algumas pessoas me pedirem pra enviar a minha dissertação, estou disponibilizando ela abaixo. Pode ser lida online mesmo, basta clicar em "Expand".

Fisioterapia para músicos

Apesar dos músicos atuarem profissionalmente há muito tempo, ainda divulga-se pouco sobre os cuidados com o corpo nessa atividade que exige um esforço repetitivo altíssimo pela própria natureza da prática. Pois bem, clicando aqui e ali topei com esse livro sobre fisioterapia para músicos, que pode ser lido online (basta clicar em "Expand") e trata, como uma linguagem clara e direta, de algumas das nossas características e problemas. Achei bem bacana.


Boa leitura.


segunda-feira, 14 de novembro de 2011

O foco é (e sempre foi) você.

Para quem estuda um instrumento musical, não são poucas as indagações, seja sobre a própria profissão em si, seja sobre aspectos técnicos do fazer musical ou mesmo filosóficos do porquê fazer. Nesse sentido, embora correndo o risco de parecer simplista já que todo músico tem seus próprios dilemas e demônios para contornar, acho que algumas questões são recorrentes e podem ser encontradas em nove de cada dez músicos. Dentre elas, o caráter competitivo obviamente destaca-se, e não é difícil perceber porque.

Ao concorrer a um cargo qualquer, normalmente os critérios de escolha são baseados em audições públicas, que tentam dar conta de avaliar um processo criativo individual da forma mais imparcial possível. Embora as características de cada um sejam levadas em conta, não digo nenhuma novidade ao afirmar que a banca já tem seus próprios critérios que o candidato deve satisfazer. Concepções individualizadas demais são desfavorecidas em prol daqueles músicos que apresentam idéias (sejam elas quais forem) mais coerentes do ponto de vista do ouvinte ali sentado, banca ou não. E, seja como causa ou consequencia, assim formam-se o que chamo de cânones da interpretação, que nada mais são que parâmetros escolhidos arbitrariamente e que passam a ser aceitos por uma comunidade de intérpretes/ouvintes.

Não cabe aqui explorar em que medida isso acontece, mas eu gostaria de me debruçar um pouco sobre os efeitos negativos dessa atitude. Encontrei muitas vezes colegas estudantes frustrados porque se propuseram a um perfil profissional sem compreendê-lo em profundidade. Muitos deles replicam o repertório do instrumento sem uma reflexão mais séria sobre o do porquê fazer, e a balança é definitivamente desequilibrada quando os objetivos limitam-se a executar as obras de maior dificuldade técnica, algumas uma verdadeira provação. E, quase sem perceber, temos uma massa de estudantes de música que replicam os cânones estabelecidos e relegam sua própria criatividade a um segundo plano.

Talvez esse seja um dos problemas pouco fomentados pela academia, embora qualquer pessoa concorde que há obras fundamentais para a criação e o desenvolvimento de um currículo em um instrumento musical. Meu problema não é com esse currículo mas com a forma de abordá-lo. A carga de informação nesses casos é grande, e os campos de estudo que a atividade musical gera só aumentam a cada dia. As conexões entre a música, seus processos de ensino e de performance, bem como a sua compreensão envolvem áreas tão distantes quanto complexas, sendo a didática, a neurologia, a acústica, a filosofia, a história e a anatomia somente algumas delas.

Bach (sério, ao lado), Vivaldi, Brahms, Mozart, Beethoven, Stravisnki, Debussy, Berio, Nielsen e Puccini são nomes que pincei aleatoriamente; todos são grandes compositores que cada, um a seu tempo, compuseram narrativas e estruturas geniais, obras que não por acaso figuram em programas de concerto do mundo todo. Mas, e aqui vai a pergunta central, eu preciso executar um concerto de Nielsen, por exemplo, para ser reconhecido como músico "sério"? Executar bem essas obras deve ser uma condição para que eu seja aceito pelos meus pares? Não são essas obras elas próprias ápices da manifestação de um processo criativo? E se for assim, não perco boa parte da desse processo ao transformá-las em cotas de produção que devem ser cumpridas?

Antes de mais nada, ninguém deve nada. É fato que às vezes nos sujeitamos a repertórios em processos de formação, quando nos submetemos à audições e mesmo na rotina de grupos profissionais de música como bandas e orquestras. No entanto acho importante que mantenhamos acesa lá no fundo aquela chama da curiosidade inicial que nos fez buscar o instrumento como meio de expressão. A experimentação, a pesquisa sobre o que fazemos, as dúvidas sobre o contexto inicial em que cada obra dessa foi produzida, o do porquê devo tocar desse ou daquele jeito; são todos aspectos que, muito mais do que ampliar os horizontes da profissão, permitem uma realização mais completa do indíviduo em si.

Com isso em mente, ir a um master class ou tocar em uma audição pública não deve prioritariamente ser encarado como se o que você está fazendo é bom ou ruim em relação ao outro. O outro não importa muito quando seu maior oponente é você mesmo. É perceber que foram suas pernas que te trouxeram até ali, diante daquele professor e platéia, para executar a obra de alguém, ela própria uma remissão a um contexto específico. Em que medida esse contexto dialoga com o momento em que você toca diz muito mais sobre você mesmo do que sobre a peça. Por isso, um instrumentista não é só mais uma peça nesse conjunto, especialmente pra ele próprio.

As dificuldades de qualquer execução devem ser associadas sempre com o objetivo mais amplo da sua satisfação pessoal em transmitir ou recriar idéias de outras pessoas, desse ou de outros tempos. O que professores e outros estudantes fazem é dar suas próprias impressões sobre o processo. Mas é essencial que você se pergunte o tempo todo o que te move nessa direção, para não acordar num lampejo diante do público perguntando-se o que está fazendo ali tocando uma peça que te diz muito pouco. Acho que você deve se ver como um impulsionador; alguém cujo objeto de estudo é levar adiante as suas melhores idéias, especialmente num mundo onde se diz tanta tolice.

Não quero, entretanto, dizer com isso que se deva ignorar o que se sabe. Nem tampouco que você passe a cochichar um mantra repetindo "eu sou especial; eu sou importante; o universo conspira a meu favor"; nada disso, embora você provavelmente seja especial para alguém. O que proponho é um exercício para reestabelecer suas prioridades em relação ao que estuda e faz, considerando obviamente que você que lê é um musicista.

Porque, no fim, é disso que se trata. Tocar Beethoven ou Stravinski não é um favor para eles; é pouquissímo provável inclusive que eles estejam vendo isso. Também não é para o seu professor, que já tem uma carreira consolidada. Em última instância, é um processo que fala sobre o que você quer dizer; você artista, você criador. Livre das amarras do que a tradição diz que é porque é, é comum começar a sentir o gostinho da realização plena chegando, onde Mozart, Pixinguinha, Nielsen e as canções que sua mãe cantava na infância servem todos a um propósito maior que a mera repetição; servem para a sua satisfação plena como pessoa humana. 

Bach: "aqui pro ceis..."

domingo, 13 de novembro de 2011

Sobre Manaus e Imaruí...

O blog de Luis Nassif publicou hoje uma matéria de sua autoria intitulada "Primavera em Manaus".  Dividida em sete capítulos, ela narra como a truculência e o coronelismo ainda dominam as relações políticas em nosso país. Uma médica grávida de oito meses perseguida sem cessar por um radialista patético porque ousou protestar contra uma taxa  de coleta de lixo. Essa história infame é a faceta visível de um esquema mais profundo que mescla apadrinhamento político, favorecimento ilícito e até pedofilia.

A matéria é estupendamente bem escrita e demonstra, passo a passo, como o radialista Ronaldo Tiradentes e seus comparsas achacam os que ousam pensar que são livres em terra de tiranos.

Seguem os links:

A Primavera de Manaus

Twitteiros versus coronéis da selva.
A fonte de poder dos coronéis regionais.
As primeiras represálias ao movimento.
O radialista que amava Roberto Carlos.
A invasão do posto de saúde.
A suspensão com base em um documento falso.
O terror no jogo político do Amazonas.


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Esse tipo de acontecimento expõe a real situação em que vivemos; ele demonstra que o sistema político que temos é fruto direto da nossa atitude como pessoas sem consciência do que é um sistema democrático. A esse respeito, lembro de uma frase de George Carlin, um grande humorista norte americano que já estrelou outros post aqui no blog. Segundo ele, tendemos a pensar que políticos são criaturas diferentes so que somos, que se materializam em nossa realidade vindas de um outro lugar, como uma outra espécie.

Não são.

São pessoas como eu e você, que elegemos para nos representar, embora não seja difícil demonstrar como essa representação é fraudulenta (porque não funciona) e, ao mesmo tempo, justificável. Conheço muitas pessoas que falam demonstrando conhecimento dos desmandos na política. Porém, muitas delas parecem no fundo lamentar não ser elas e estar lá, fraudando, recebendo sem trabalhar... enfim, não me espanta que sejamos governados por imbecis.

 
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Imaruí - Os fatos sobre a capital nortista me fizeram lembrar da minha cidade ao sul de Santa Catarina.  A "pequena jóia" (que é como a chamamos) foi mais um dos tantos redutos espalhados pela país governados por clãs familiares durante boa parte da sua história e que distribuíam migalhas como se fosse banquete aos miseráveis. Fazendo o mínimo do que deveriam mas alardeando como se fosse um favor, eles posavam numa clara atitude paternalista, favorecendo correligionários e sufocando as vozes discordantes.

Num lugar desses, se você não é da "situação" vê seus direitos se esvairem na sua cara, as portas se fechando nos momentos mais inusitados e pelos motivos mais absurdos; eu mesmo fui preterido em no mínimo três oportunidades diferentes de trabalho por pessoas claramente menos qualificadas, mas que eram conhecidos de pessoas ditas influentes.

 Em matéria do Diário Catarinense (23/10/11, pág. 10) sobre a polêmica aposentadoria em massa dos funcionários da Assembléia Legislativa de SC em 1983, há um texto sobre Imaruí que apenas ratifica o que todos que moram ou moraram lá sabem: se não for "carneiro", esqueça. Assim era como chamávamos os que se beneficiavam do esquema. A matéria informa que o sobrenome Bittencourt pairou incólume na administração da cidade de 1930 a 1996 (com pausas para aliados de outros sobrenomes, o que dá no mesmo).
E embora seja ruim só a concessão do beneficiozinho aqui, o jeitinho ali aqui, o problema é mais profundo. O pior é o sistema viciado que criou pessoas com um sistema moral parcial e que não via nada de errado no fato do seu filho ser indicado sem lisura alguma ao que quer que fosse, e muitas vezes à revelia das suas escassas capacidades. E na tentativa de manter o que julgavam um direito adquirido, vi muitos amigos em contendas banais, infantis e sem fundamento. Os "carneiros", sem ter do que rotular os outros, resolveram chamá-los de "porcos", talvez sinalizando que o quinhão deles deveria ser as sobras. E assim seguiram, como numa fazenda, degladiando-se por quem tinha mais espaço no cocho.

Campanhas eleitorais eram uma época triste; amigos por anos a fio dividiam-se em dois times como torcidas fanáticas disputando o que julgavam a cereja do bolo. Ânimos inflamados, fogos de artifício no telhado alheio, a desgraça de sempre.

Mas cidades como Imaruí não são únicas e pipocam no interior do Brasil, em situações que variam de mais brandas a muito mais críticas. Esses pequenos feudos terminaram criando massas de pessoas sem consciência política adequada, divididos quando deveriam estar unidas pelo bem comum, sorrindo orgulhosos quando conseguem lamber os farelhos no tapete sem saber que pagaram a conta pelo banquete completo...




sábado, 12 de novembro de 2011

Stephen Hawking no documentário "Curiosidade"

São quarenta minutos que você não perde, investindo em si mesmo. Sem comentários.



segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Caminhando... sempre.

De pé e caminhando... porque o ato de andar fortalece a caminhada.

Mas é preciso estar atento para evitar o ritmo frenético; não cair na tentação de seguir a manada que corre desordenada e sempre atrasada... para o quê, raramente se perguntam.

Assim eu cruzo meus dias nesse mundo, buscando a serenidade me preparando pra guerra.

Com a sensação que devo continuar, não importa o que aconteça... e assim eu faço.

Defendendo a utopia que é possível amar sem pedir nada em troca. E amo minha mulher, minha vida...

Amo meu filho que ainda não nasceu, meu pai que já se foi... duvido que qualquer um deles possa me ver agora, mas eu sei que ambos vivem em mim porque sou a ponte que os conecta. Pra que um dia um saiba da existência do outro, não apenas de ouvir falar, mas que possa desenvolver seu potencial para o desenho, a caligrafia, o grande coração...


Penso que o mundo não me tem em conta; já estava aqui antes de mim, estará depois.
Nada disso foi planejado pra mim, mas ainda assim, sou parte disso; era parte antes, serei depois.

Não espero recompensa por nada, e não acho que alguém me vigie...

Evito o mal porque é a coisa certa a ser feita; para que esse mundo seja melhor para a infinidade de pessoas que estão por vir e ser também eles, senhores de si mesmo, como eu sou.






domingo, 6 de novembro de 2011

terça-feira, 30 de agosto de 2011

A despedida...

Tantos anos na empresa o tinham feito esquecer-se do quanto dela esteve presente em sua vida. Em seu último dia, ele foi recebido no portão como de costume; passe privilegiado, a saudação habitual. Com a documentação assinada, ele caminhou lentamente pelos prédios e viu pessoas nos afazeres do dia a dia; afazeres que se algum dia foram seus, hoje fazem parte do seu passado e lhe são completamente alheios. A visão de lugares ali o fez lembrar de situações que viveu, com seus altos e baixos. Os momentos afloram indo e vindo na memória com aquele local como palco; tantas alegrias e as incontáveis vezes em que seu riso correu solto contrastam com algumas das grandes decepções que teve, os dias mais sombrios...

Mas ele sequer pensa nisso agora. Seus passos já vão longe e o vemos caminhando indo rever os colegas que com ele trabalharam e lhe organizaram uma despedida singela mas sincera. Ali despediu-se de algumas das melhores pessoas que já teve o prazer de conhecer em toda vida, muitos dos quais desconhecem seu verdadeiro potencial, como elefantes que cresceram amarrados a um cepo sem poder se soltar, e quando adultos, mesmo atados a cadeiras, desistem de tentar a liberdade.

O dia já ia adiantado, o sol caminhava para o poente. Apesar de todos os passos terem sido feitos, parecia faltar algo. E antes que seu pensamento realizasse, seus pés já estavam a caminho do lugar. Encontrou o garoto no local de sempre, usando óculos e aparelho, sempre lendo mas, por sua ingenuidade, sempre alvo de gozações dos demais. Apesar disso o outro nunca se zangava e respondia com um sorriso estampado. Todas as vezes que trabalharam juntos, o garoto sempre lhe tinha sido solicito, reservado e responsável. Mas, além disso, seu interesse por leitura fez com que ambos compartilhassem quase sempre boas conversas que o destacaram dos demais. Agora já diante dele, entendeu a mão e disse "estou indo embora, passei para me despedir". O sorriso e a interjeição de surpresa foram a resposta, com um "puxa, fico feliz". "É", voltou ele, "passei para dizer também que continue assim, que estude, que busque o seu melhor... se houvessem mais pessoas aqui como você, minha vida teria sido muito melhor aqui dentro". A surpresa tornou-se emcabulação, e o garoto sempre alvo de risos teve seus olhos rasos d'água por um instante pelo reconhecimento assim direto. Despediram-se, ele saiu dali e deu uma última olhada em tudo, nas coisas e pessoas banhadas pelo sol amarelado do poente e disse consigo "é isso, está feito!".

Entrou no carro, girou a chave e conduziu lentamente em direção ao portão. Não havia saudades, nem tristezas, nem receios e seu rosto estampava um leve sorriso. Passou pelo portão pela última vez como um empregado respeitável do local. Se alguma vez tiver que voltar ali, será como um anônimo sem quaisquer privilégios, nem ser chamado de senhor, e cuja identificação não será diferente de qualquer passante que queira entrar. Mas nada disso desfaz o sorriso insistente nos lábios.

De carona no carro, levava apenas um leve receio, que no entanto, desceu na primeira curva logo após o bambuzal e dali observou o carro acelerar mais e mais, como o sorriso que se abria no rosto do condutor, e sumindo no horizonte juntamente com a última réstia de sol. Estava feito, e nada podia pará-lo.



sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Os "deixa disso"


Basta um rasante por nossa história para constatar que a contemporaneidade de cada época é marcada entre outras coisas, pelo embate entre o novo e o velho, o inovador e o mais do mesmo. No outro post, falei sobre minorias e seus direitos ou a ausência deles, melhor dizendo (as mulheres não eram necessariamente minorias em todos os casos, mas vivam como uma delas). Ocorreu-me que em todo esse tempo que falei, não faltaram os canhotos que se resignaram a inverter a duras penas sua programação genética pedindo aos outros canhotos que se acalmassem, afinal "qual era o problema?" Também não devem ter faltado pessoas em regime de escravidão dizendo que pelo menos tinham o que comer, ou mulheres como respeitosas donas de casa criticando a vizinha que usa cabelo curto, fuma ou vive só.

Essas pessoas não mudam a sociedade; são do mesmo gênero dos "deixa disso" que tanto presenciei em minha vida na escola e tanto azia me deram e dão ainda hoje. Aqueles que não podiam ver uma briga que queriam separar dizendo "gente, o que é isso?", mas eram incapazes de dirigir uma palavra punitiva ao provocador inicial. A essas pessoas, pouco importa que haja pessoas descontentes e sofredoras nesse mundo, ou se importa, melhor não pensar a respeito; o que as leva às lágrimas é a contenda, a briga, ver o estouro da manada. Pessoas de raciocínio raso, que adoram auto-ajuda adocicada, religiões conformadoras, leem o "Segredo", repetem "se deus quiser" o tempo todo como remédio para as frustrações. Esse pensamento parte sempre do mesmo princípio: evite o conflito. Então, não são elas o motor de mudança social. Elas são o status quo.

Frequentemente, as pessoas preocupadas em manter o status de uma época incorrem em erros grosseiros ao enquadrar minorias como um ultraje. Agora, junte dois dos aspectos que mencionei antes (mulher e negra, no caso) e você terá o coquetel explosivo que mais mexe com a imaginação e a criatividade do preconceituoso, ou se preferir (eu prefiro) aquele que passará para a história como um testemunho da mais completa imbecilidade de sua época. Observe a imagem a seguir.

A menina negra ao centro é Elizabeth Eckford e essa foto foi tirada no seu primeiro dia de aula numa escola de ensino médio no estado de Arkansas nos Estados Unidos em setembro de 1957. Ela foi um dos primeiros nove estudantes negros aprovados numa escola "branca". Ela se desencontrou dos outros e acabou tendo de caminhar sozinha até a escola, e foi cercada por outras alunas que julgavam aquilo um absurdo. Nascida em 1941, Elizabeth não contava com mais de meros 16 anos; uma menina, pura e simplesmente, cujo ato ergueu atrás de si uma muralha de mal amadas raivosas (não se engane com aquela da direita; ela foi quem resgatou-a da multidão).

Agora olhe novamente as expressões na foto. Pode olhar, eu espero.


Poucas pessoas hoje em dia conseguem olhar essa foto e não ver a desproporção das forças medidas e simbolizadas nela; eu diria que seríamos unânimes em considera-las um absurdo. Mas claramente esse absurdo não ocorria às pessoas que achacavam feito hienas a menina. 

Hoje, cada vez que vejo  manifestações contrárias ao direito de minorias, imagens como essa me vem à cabeça. E não tenho dúvida que o pensamento mesquinho dos que hoje condenam sem quaisquer critérios vão fazê-los passar à história tal como foram as pessoas em volta de Elizabeth: covardes.

O que não falei antes sobre a foto do fotógrafo Will Counts é que sua repercussão foi absurda. Pois é, quem diria que um momento onde as pessoas achavam-se no "direito de manifestação" para não serem 'sufocados' pela "mordaça de raça" que os terríveis negros estavam impondo à sociedade ia ser captada e transformada num ícone mundial contra a intolerância?

E acabou que foi. Sabe aquela baixinha bocuda que vai atrás de Elizabeth na foto? Seu nome é Hazel Bryant.

(E sim, eu espero você olhar outra vez).

Olha ela aí, quarenta anos depois tendo de pedir desculpas publicamente à menina que só queria estudar.


Ela era uma adolescente também na época. Mas isso não justifica a atitude covarde que teve, com reflexos presumíveis em toda a sua vida ("você é neto daquela racista que xingou a menina do Arkansas?"). Tá aí um bom recado aos homofóbicos de hoje: continuem assim e quem sabe não teremos um de vocês expostos e famosos dessa forma daqui a alguns anos também?!



"Evangelicofobia", "orgulho hétero" e outras merdas

Os movimentos da humanidade na sua história são geralmente descontinuados e aleatórios. É possível ver isso nas contendas locais que ocorrem e quase não repercutem em nenhum outro lugar. Entretanto, de tempos em tempos, algumas dessas contendas ganham contornos maiores e mais amplos, seja porque dizem respeito a direitos fundamentais dos seres humanos como um todo, seja porque a conjuntura social e política de uma época possibilita essa manifestação. O fato é que vozes discordantes sempre existiram e chocaram-se no ar; seja pela suas insitencias, seja por uma feliz coincidência, os maiores avanços da nossa civilidade vieram quando essas vozes descontinuadas se uniram em torno de causas comuns.

Como exemplo, interlocutores da Idade Média eram pródigos em afirmar que ser canhoto era uma aberração que contrariava as leis de deus. Era escrever com a "mão errada" e não foram poucas as pessoas que nasceram, viveram e morreram nesse nosso mundo a se adaptar a uma condição tao absurda quanto a uma pessoa com os dois pés aprender a pular num só. E isso era impetrado pelas famílias, pais e mães, aos seus filhos, pelas escolas aos seus alunos, pelas cidades aos seus indivíduos. Demoramos muito tempo pra nos livrar desse engodo, e em muitos lugares, mesmo depois de provado o absurdo que representava esse pensamento, ainda perdurou por muito tempo.
Na próxima, foram os escravos. O ato vil até então praticado por todas as civilizações antigas estourou em movimentos abolicionistas em todo o mundo ao longo do século XVIII e XIX (sendo o Brasil um dos últimos a adotá-lo, a propósito). De novo, isso era reflexo de pessoas acreditando firmemente que tinham o sagrado direito de possuir outra como propriedade, seja porque eram inferiores sob seus próprios e equivocados critérios, seja porque a leitura da biblia na época autorizava (uma leitura literal dela ainda 'autoriza'). Pessoas boas e decentes sob quaisquer outro critério não viam nada demais em cumprir o que chamavam de vontade de deus nesse quesito, inclusive não poupando a correção merecida no tronco daqueles ingratos que recusavam a boa vida de pão e água nas suas masmorras a céu aberto. E de novo, mesmo depois da idéia inicial ter se mostrado vergonhosa à nossa espécie, foi preciso muito tempo para que a maioria se convencesse do absurdo. Desnecessário dizer que alguns ainda não se convenceram.

 O céu das mulheres, por outro lado, demorou um pouco mais a se abrir. Foi preciso esperar até o século XX, quando a revolução industrial e científica já tinham dado passos consideráveis para que a mulher tivesse direito a voto, pudesse construir sua independencia financeira e um destino diferente da dona de casa como sombra do marido, com infinitas obrigações mas poucos direitos. Não foram poucos os homens a chiar com as primeiras 'revoltosas', acusando-as de destruidora de lares, vagabundas e tudo que é coisa. Também nesse caso, a biblia dizia e legislava sobre o homem ser a "cabeça" do lar, então qual era o problemas delas afinal? Porque desestabilizar a sociedade que julgavam perfeita?

"Mas isso era o pensamento da época", me dizem alguns. "Hoje em dia não fazemos mais isso". "Além do mais", prosseguem os mais entusiastas, "essa leitura era equivocada". Bom, se você se prende pelos atos em si, claro, não discriminamos mais os canhotos, nem admitimos a escravidão como forma de vida aceitável. Além disso, apesar do humor covarde que tenta desmerecer a mulher através da caricatura fácil e estúpida, as mulheres ganharam espaço considerável em nossa sociedade moderna. Mas, e isso quero sublinhar efusivamente, se tivemos esses avanços, não foi porque as crenças da época levaram a uma melhora no comportamento, e sim, a crítica aos que sem evidências aceitáveis, imputavam aos outros suas próprias crenças. Não foi a religião, mas a sociedade laica que trouxe consigo a efetiva idéia (para alguns, absolutamente surpreendente) que basta você se colocar sob a perspectiva de uma dessas minorias pra saber que tem algo errado. 

Por outro lado, basta você focar no modo operante do raciocínio nessas épocas e vai perceber que a história é cíclica. 

Nos tempos atuais, vivemos situação semelhante com a aceitação dificil mas necessária dos homossexuais na sociedade. As igrejas continuam fazendo o que sempre fizeram, ditando "a vontade de deus", propagando a "calamidade e abominação" do que não concordam. E os religiosos que perderam o espaço que tinham quando a igreja dominava o estado, resolveram se organizar em bancadas "evangélicas" (seja lá o que diabos isso é) e através de uma estratégia estúpida, mas organizada, difundir na população carente de tudo que o deus que acreditam está horrorizado com a atitude das mulheres e homens porque estão seguindo o instinto que, pretensamente, ele os dotou.

Se bato continuamente nessa tecla é porque quero pontuar nesse meu espaço minha indignação com a covardia dessa atitude. Com gente de má fé, com propósitos espúrios, que transferem aos seus fiéis seus medos, receios, maldade e insegurança. Mas essa insegurança e essa má fé também são extensíveis às pessoas em geral que compactuam com isso. Àquelas que negam seus filhos, vizinhos e amigos pela opção sexual sem sequer se dar ao trabalho de pensar no absurdo que isso é; àqueles que choram copiosamente porque o mundo não é como eles queriam e isso quer dizer que é pior. E, àqueles que, acostumados a discriminar sem ser importunado, criam agora o termo "evangelicofobia" para confundir o sentido dos rasos de raciocinio.



Nada mais estúpido, nada mais descabido. E somente esse pensamento doentio pode aceitar um dia de "orgulho hétero", como se houvesse um real "perigo iminente" à "família e aos valores". Isso é colocar como iguais o capitão do mato que bateu a vida toda a largas braçadas com o escravo que, cansado disso, num dia apanhou o chicote e arrebentou a fuça do outro. De novo, e de novo, as pessoas com esse preconceito arraigado pela ignorância buscam desesperadas um bastião de trazer a razão para o seu lado da forma mais infantil, que é acusando o outro daquilo que mais cometeu: a destruição do nosso senso crítico e da capacidade das famílias de discutirem sensatamente suas diferenças sem dogmas ou condenações.

Liberdade aos diferentes, sejam canhotos, negros, mulheres e homossexuais, sempre incomoda aos incapazes de brilhar por conta própria. Será isso inveja da purpurina nas suas manifestações, do sorriso leve de quem vive a vida como gosta e não como os outros ditam?


quinta-feira, 18 de agosto de 2011

"As faces da 'Opressão'" ou "Liberdade e responsabilidade... mas não pra mim."


Hugo Chavez e a imprensa

Meio amalucado, com pouco gosto para suas aparições, simplista e um pouco prepotente, Chavez seria minha melhor opção se o cargo fosse um comandante militar ou coisa que o valha; nunca para presidência.
Mas a justiça tem de lhe ser feita: sua imagem aqui é pintada como um lunático ditador e isso parece carecer de fatos. Ele não renovou a concessão pública ao funcionamento de uma tv venezuelana e sua fama de censura é alta aqui. O que não se noticia é que essa mesma tv armou uma tentativa de golpe contra ele. E depois, longe de fechar a empresa com aparato militar como fazem crer alguns noticiários, ele deixou de renovar a concessão, o que é, convenhamos, bem diferente.

Abaixo dois vídeos exemplares de como pensa o presidente da Venezuela, por suas próprias palavras.

Aqui ele responde a um entrevistador do programa Roda Viva.


E aqui a um repórter da Fox News norte americana (que Barak Obama chama de um partido disfarçado de tv). Não achei as legendas em português e sequer em espanhol, mas essas em italiano devem quebrar nosso galho latino.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Manuel Bandeira em "O último poema."



Assim eu quereria o meu último poema.
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.

"Ninguém me cutuca" ou "como usar o Facebook"

Saramago em "A viagem do elefante"

"(...) uma vaca se perdeu nos campos com a sua cria de leite, e se viu rodeada de lobos durante doze dias e doze noites, e foi obrigada a defender-se e a defender o filho, uma longuíssima batalha, a agonia de viver no limiar da morte, um círculo de dentes, de goelas abertas, as arremetidas bruscas, as cornadas que não podiam falhar, de ter de lutar por si mesma e por um animalzinho que ainda não se podia valer, e também aqueles momentos em que o vitelo procurava as tetas da mãe, e sugava lentamente, enquanto os lobos se aproximavam, de espinhaço raso e orelhas aguçadas. Subhro respirou fundo e prosseguiu, ao fim dos doze dias a vaca foi encontrada e salva, mais o vitelo, e foram levados em triunfo para a aldeia, porém o conto não vai acabar aqui, continuou por mais dois dias, ao fim dos quais, porque se tinha tornado brava, porque aprendera a defender-se, porque ninguém podia já dominá-la ou sequer aproximar-se dela, a vaca foi morta, mataram-na, não os lobos que em doze dias vencera, mas os mesmos homens que a haviam salvo, talvez o próprio dono, incapaz de compreender que, tendo aprendido a lutar, aquele antes conformado e pacífico animal não poderia parar nunca mais. (...)"

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

O grande saltador.

Sai pra caminhar dia desses e sentei-me numas pedras à beira mar. O vento era ameno e de calmo, quase não havia ondas no mar. De repente, daquela imensidão escura salta um pequeno peixe fazendo uma curta peripécia no ar para novamente mergulhar no silêncio. E de uma coisa assim simples me ocorreu uma série de pensamentos e paralelos; de onde ele veio e pra onde foi? Do mar seria a resposta óbvia. 

Claro, eu não pensava mais naquele peixe em específico, mas no paralelo com as nossas vidas. Em como ela pode caber dentro de um curto espaço de tempo, em que emergimos do nada, criamos nossa própria peripécia e sumimos no silêncio novamente. E no arco que compomos nessa trajetória do momento em que nos tornamos visíveis no nascimento até nosso fim, ocorre-me que é dele que tiramos todas as nossas conclusões sobre o que veio antes e o que virá depois. 

Apesar de existir pessoas que afirmam conhecer o que chamam vidas passadas, é fato que nenhuma delas pode provar o que quer que aleguem, e o argumento da experiência pessoal é inútil nesse caso, como demonstra uma visita a qualquer hospício mais próximo. Uma vez mais, não custa lembrar que acreditar no que achamos que somos nada tem a ver com o que somos de fato. 

A maioria das religiões concentram-se no depois, mas com histórias tão desprovidas de evidências quanto a do papai noel.  E como, em ambientes desprovidos das luzes e efeitos especiais fica impossível demonstrar que alguém já voltou efetivamente para dizer o que quer que seja, ficamos assim com esse nosso estrito lampejo de consciência que temos e chamamos vida. Tomamos consciência dela em plena manobra e nossa experiência comparativa demonstra através de quem nos precedeu que nosso tempo aqui não é nada mais que isso; um lampejo.

Sem saber se existiu um antes, e pior ainda, se existirá um depois, não foram poucas as pessoas que usaram a nossa curiosidade a esse respeito como base para o controle e o domínio de uma massa de semelhantes pela ferramenta mais poderosa nesse caso: o medo, puro e simples. Assim, poucas pessoas controlam através de preceitos discutíveis, o comportamento de uma gigantesca quantidade de pessoas, que muitas vezes alegremente abrem mão da própria paz nesse nosso curto "vôo no ar" em favor de uma promessa feita com base em nada.

Mas, até que se prove o contrário (o que eu não apostaria), esse salto é tudo o que temos. É nele que nos conhecemos indivíduo; tomamos conhecimento dos outros, somos crianças, meninas e meninos, adultos e anciões. É nele que nossa vida se completa em contato com outras vidas e estabelecemos nossas relações; amamos, odiamos, e respiramos para também sermos amados e odiados; choramos e rimos, em proporções diferentes às vezes. Nesse espaço de tempo, somos livres, pois voamos sem amarras, embora tenham nos feito acreditar no contrário por tempo demais. Somos seres independentes, paradoxais porque em constante construção intelectual, mas ao mesmo tempo, acabados e dotados de todas as ferramentas para atingi-la desde nosso nascimento; como Saramago diz, nosso cérebro é de tal ordem que leva tudo dentro. 

Algumas pessoas realizam saltos prodigiosos e inscrevem-se decisivamente na história dos que lhe são próximos e o observam. Esses permanecem vivos na memória dos que o acompanharam, e sua lembrança perdura por muito tempo, mesmo quando sua presença não é mais que um traço no passado distante. Alguns aproveitam a luz do sol que os banha por um curto período e brilham ainda mais, tocando as pessoas à sua volta com uma luz ainda mais terna e precisa. E tal como as estrelas, sua luz continua brilhando mesmo quando a sua fonte parece ter se apagado. Gestos como esse são mais que suficientes para fazer toda essa aventura incerta e desconhecida ter valido à pena.

Então faça dessa sua trajetória o que lhe apetecer. Realize que você é livre, e será. E acima de tudo, aproveite o seu salto.

Grande abraço.


Em memória do Milton, um dos maiores saltadores que conheci.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Contrapontos

Acordei inspirado. Clicando aqui e ali, dei de cara com isso:

"A maior aventura de um ser humano é viajar,
E a maior viagem que alguém pode empreender
É para dentro de si mesmo.
E o modo mais emocionante de realizá-la é ler um livro,
Pois um livro revela que a vida é o maior de todos os livros,
Mas é pouco útil para quem não souber ler nas entrelinhas
E descobrir o que as palavras não disseram..."

Isso é, como não poderia deixar de ser, Augusto Cury. Mas, como eu disse, estava inspirado e normalmente assim, meu humor está em alta. Resolvi dar um voto de confiança e fui clicando em textos aleatórios até achar um que me dissesse algo.
Encontrei esse:

"O homem não consegue ficar de mãos abanando, contemplando o seu destino neste mundo, sem ficar desvairado. Por isto inventa formas de tirar sua mente deste horror. Trabalha, diverte-se. Acumula aquele grotesco nada, chamado propriedade. Persegue aquela piscadela esquiva da fama. Constitui uma família e dissemina a sua maldição sobre ela. E, todo o tempo, a coisa que o move é o desejo de se perder de si mesmo, de se esquecer de si mesmo e de escapar à tragicomédia que é ele próprio. Fundamentalmente, a vida não vale a pena ser vivida. Assim, ele cria artificialidades para fazê-la parecer que vale. E também por isto erige uma espalhafatosa estrutura para esconder o fato de que ela não vale."

Isso é H.L. Mencken, me lembrando do quanto é importante termos a palavra negro após a palavra humor. E lembro de ter pensado "eu tentei, Augusto... eu tentei". A diferença principal entre esses escritos é que no primeiro caso, temos o que eu chamo às vezes de literatura água com açucar. Você termina de ler e está exatamente como estava quando começou, só que mais entediado. A tautologia, o raciocínio circular, a rima fácil, os jargões banais sobre a vida, etc. por outro lado, o segundo texto trás algo que incomoda, ou desassossega para citar Fernando Pessoa (de cuja frase título esse blog usa, aliás). A vida não vale a pena ser vivida? Como assim? Se é assim, porque o escritor se dá ao trabalho de estar escrevendo? Mais do que isso, porque estaríamos nós aqui então? Você vai com o senso comum quando diz que a vida é o maior de todos os livros, mas considerar que ele ainda assim pode estar em branco na sociedade em que vivemos exige uma mente robusta pra não ficar achando Mencken um pessimista paranóico e sem sentido.


E ocorreu-me agora que a diferença básica na linguagem de cada um está ironicamente contida no texto do outro; a "viagem" que Cury propõe como maior aventura representa bem esse desejo de perder-se de si mesmo e escapar da tragicomédia que somos, especialmente para os que pautam seu comportamento por palavras de ânimo como algumas pessoas tanto parecem precisar ("você é especial", "o universo conspira ao seu favor", etc.). Ler as estrelinhas de Mencken, por outro lado, não é fácil fazê-lo e dá trabalho, mas nada seria mais útil em nossa futilidade contemporânea.

Brainstorm...1.

Às vezes eu fico tentado a publicar nesse blog posts somente sobre música, que é a minha vida. Mas então, eu penso na vida em si. E penso que a compreensão da música como fenômeno ou mesmo atividade passa pela compreensão do que a vida é. Mais do que isso, a própria natureza da expressão artística engloba compreender o que somos e onde vivemos.

Um exemplo disso é o espectro visível das cores. Observe essa figura.


Nela estão contidas as cores que podemos enxergar a olho nu. Isso que dizer que esse é um pequeno extrato de um continuo maior, e que para além de um extremo e do outro da barra não conseguimos ver. Termos como ultravioleta e infravermelho (grifos meus, obviamente) refletem frequências além desses extremos, e que são, por isso mesmo consideradas invisíveis.


Agora, quer uma coisa pra ficar pensando? Durma com isso: nada tem cor por natureza. Tudo o que vemos, seja uma pintura (um Rembrandt ou o desenho do seu sobrinho de dois anos, tanto faz), uma laranja, um carro, a palma da sua mão; nada disso tem cor por si. Tudo isso absorve determinadas faixas de frequencia da luz que incide sobre ela e reflete uma; essa é a cor que vemos. Isso quer dizer que basta você virar o rosto e sua bela cozinha de granito, mármore e o diabo "perde" todas as características visuais que podem ter lhe feito ficar horas escolhendo no catálogo.

Mas é mais do que isso: quer dizer que todo nosso esforço para ser compreendido em termos de textura (como no caso da pintura e escultura) usa meios que contraria nossa intuição, porque é dificil imaginar que um quadro cujo pintor passou semanas escolhendo cuidadosamente as relações de cor, "perdem" imediatamente essas características assim que alguém tira a vista dele. Agora, o que isso quer dizer? O que expressar-se através de materiais e texturas que podem ser tão relativisadas na visão de cada um diz sobre o que somos?

Não tenho certeza sobre isso, mas parece-me que tudo o que vemos são tentativas de tentar entender o que compõe esse nosso mundo. Cores "frias", "quentes", "profundas", etc, nada mais são que meios fisicos limitados que servem como a porta de entrada da nossa imaginação para essa incrível busca do que somos.

sábado, 6 de agosto de 2011

Comerciais...


Ser filha da puta é...



"Procurando por algo pra apimentar sua vida?"


"Selecione um papel maior!"

Carlos Drummond...

...e sua eterna capacidade de expressar o que penso, mas dito de forma muito, mas muito melhor...


"Casa


Casa arrumada é assim:
Um lugar organizado, limpo, com espaço livre pra circulação e uma boa
entrada de luz.

Mas casa, pra mim, tem que ser casa e não um centro cirúrgico, um
cenário de novela.

Tem gente que gasta muito tempo limpando, esterilizando, ajeitando os
móveis, afofando as almofadas…
Não, eu prefiro viver numa casa onde eu bato o olho e percebo logo:
Aqui tem vida…

Casa com vida, pra mim, é aquela em que os livros saem das prateleiras
e os enfeites brincam de trocar de lugar.

Casa com vida tem fogão gasto pelo uso, pelo abuso das refeições
fartas, que chamam todo mundo pra mesa da cozinha.
Sofá sem mancha?
Tapete sem fio puxado?
Mesa sem marca de copo?
Tá na cara que é casa sem festa.

E se o piso não tem arranhão, é porque ali ninguém dança.
Casa com vida, pra mim, tem banheiro com vapor perfumado no meio da tarde.

Tem gaveta de entulho, daquelas que a gente guarda barbante,
passaporte e vela de aniversário, tudo junto…
Casa com vida é aquela em que a gente entra e se sente bem-vinda.

A que está sempre pronta pros amigos, filhos…
Netos, pros vizinhos…
E nos quartos, se possível, tem lençóis revirados por gente que brinca
ou namora a qualquer hora do dia.

Casa com vida é aquela que a gente arruma pra ficar com a cara da gente.
Arrume a sua casa todos os dias…

Mas arrume de um jeito que lhe sobre tempo pra viver nela…
E reconhecer nela o seu lugar."

sexta-feira, 5 de agosto de 2011