Translate tool

segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

BBC e a FIFA...

Um documentário fundamental para quem gosta de futebol. E um motivo a mais para os que não gostam.


domingo, 30 de dezembro de 2012

A Índia em todos nós...

Em cada cultura, é possível ver traços que ajudam a compor o que de fato somos. Cada uma das particularidades da vivência de povoados que se transformaram em cidades no decorrer do tempo representam, antes de ações individuais que nada teriam a ver com outras culturas distantes, uma oportunidade de nos conhecer melhor enquanto espécie sob condições diferenciadas. 

As palavras de Martin Niemöller esvoaçavam na minha cabeça enquanto lia as últimas notícias na Índia sobre a estudante de 23 anos que foi brutalmente espancada e estuprada coletivamente num ônibus. Niemöller foi um pastor luterano alemão que era inicialmente a favor do regime nazista como a maioria dos clérigos e religiosos de então, e atribuía a culpa das atrocidades sofridas pelo povo judeu aos próprios, sob o cansativo argumento que teriam matado "nosso senhor jesus cristo". Acabou que ele decidiu voltar-se contra o sistema e foi preso por isso. É autor do conhecido poema que fala sobre o sistema de governo que vai levando os vizinhos por serem judeus, católicos e assim por diante, enquanto o narrador nada faz para impedir por que não pertencia àqueles grupos. Um dia ele se vê só, na iminência de ser preso e sem mais ninguém que fale por ele.

Não é difícil encaixar essa situação em muitas manifestações sociais ao redor do mundo em todas as épocas. Mas o motivo pelo qual isso me soa constantemente nesse caso da Índia é a proporção da indignação que toma conta das ruas. Basta ler um pouco sobre a cultura local para saber que estupros em mulheres ocorrem diariamente lá e poucos são noticiados. O motivo está diretamente ligado ao costume aparentemente abraâmico ainda de não dar voz à mulher. A família escolhe com quem ela se casa, o marido e a família dele escolhe onde ela vive, com que roupas; obviamente é mais fácil agir enquanto ela ainda é criança (a idade preferida de culturas e religiões para se propagarem), e com frequência, meninas são casadas com velhos. Entretano, se ficam viúvas são absolutamente proibidas de se casar de novo, e os bens do seu finado ficam com os pais. Mal andam nas ruas, não tem voz ativa; além disso, exames que identificam o sexo do bebê foram proibidos pelo governo para evitar que, sendo menina, sejam mortas ainda como feto.

Como se sabe, seis homens, numa demonstração clara da nossa origem bárbara, atacaram a tal estudante com uma barra de ferro e a jogaram fora de um ônibus em movimento. Ela faleceu em Cingapura, para onde foi oficialmente transferida devido ao estado dos ferimentos. Entretanto, a transferência pode ter sido para que não morresse em território indiano e aumentasse ainda mais a comoção popular. Mas que comoção popular?

Bom, aqui é que fiquei intrigado. Como uma sociedade que zela tão cuidadosamente de normas tão absurdas para qualquer pessoa racional se indigna quando alguns homens criados sob a sua tutela resolvem "cobrar o que é seu por direito"? Não são os homens os melhores? Não foi pra eles que tudo em volta foi criado, cabendo a eles decidir o destino de suas esposas sem que delas se saiba o que pensam? Não é a mulher pior que um objeto, constantemente discriminada, um peso para suas famílias por simplesmente existir?

Aparentemente, somos mais complexos ou mais simples do que pensamos; basta escolher um deles, ou ambos, se preferir. Sócrates era um dos grandes filósofos gregos que gozava de grande prestígio em seu tempo, mas foi condenado à morte precisamente por isso. Coriolano era um grande general romano, coroado pelo povo como um herói de guerra numa grande comoção popular, mas bastou uma pequena manobra e seria expulso e condenado a vagar sozinho como um sem pátria. Jesus, o nazareno, foi recebido com palmas num dia e crucificado outros depois. E a lista segue, incessante, até nossos dias. Nesse caso, temos também o efeito inverso: uma mulher é estigmatizada como o que de pior pela cultura que pertence num dia; conhece a dor, a humilhação, a violência sem limites ou escrúpulos e falece para, dias depois ser considerada a "Filha da Índia" pela mesma sociedade que legou sua condição fatídica.

Alemãos, judeus, indianos, gregos, romanos, judeus de novo; somos todos separados por estigmas culturais e de convivência. Adotamos idiomas diferentes, costumes diferentes e evoluímos diferentemente. Mas essas diferenças escondem nossa fragilidade, que é a mesma. Escondem o desejo infinito que temos de amar, só comparado ao igualmente infinito desejo de causar dor ao outro. Somos previsíveis e inconsequentes demais.

A vida de rebanho faz com que valores não sejam questionados. Quem consegue perceber as formas sutis que essa expectativa social abre, penetra mais profundamente no pensamento coletivo. Para usar de franqueza, não encontrará nele um grande manancial de conhecimento; é bastante monótono lá, com ideias montemáticas simples, frases de efeito usadas sem que se saiba de onde saíram, quem disse, ou por quê. Mas para aqueles com a predisposção ao poder, dominar esses artifícios o faz o candidato ideal para governar multidões, pastorear rebanhos.

Sociedades vivem anos a fio uma realidade que não lhes agrada em geral, mas que os favorecidos parecem se esforçar por perpetuar. Via de regra, só serão transformadas quando os favorecidos mudarem de lado na equação. Ou... por meio de um gatilho social; um estampido, uma chama inicial, a fagulha que incendeia a pólvora coletiva das amarguras sem solução, das preces não atendidas, das noites mal dormidas. Mas ainda assim, os oportunistas estão especializados há séculos nessas manobras, e tomado o castelo e derrubado o rei, todos querem voltar às suas vidas normais e deixar alguém tomando conta.

É impossível prever que tipo de movimentação casos como esse permitirá. Pode ser o estampido para a guerra entre a tradição atrasada e medíocre e um desejo de mudança que espreita há tempos adormecido. Ou mais um passo, mais uma gota de um copo que parece aumentar convenientemente de tamanho para evitar o transbordo.

Pode-se dizer com segurança, porém, que a mulher assassinada não foi uma revolucionária; foi uma vítima de um sistema preguiçoso por rever suas ideias. Não foi a primeira, nem será a última.  






terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Feliz Natal!

Eu podia começar isso desejando um Feliz Natal e indo embora, já que meu blog tem ficado inerte por minha ausência de tempo em poder gerenciá-lo. Mas, culpem-me do que quiser, eu não consigo ficar sem dizer algumas palavras. Talvez seja coisa de menino, dessas que os adultos não entendem; "por que tem de falar?"; "que mal há em ficar quieto, sem necessariamente ficar apontando o que acha um equívoco?". Dizem que cada gesto seu a respeito do mundo está muito mais perto de dizer sobre você e, ao invés de aclará-lo, deixa o mundo ainda mais confuso. Se for assim, sei que sou um prato cheio para psicanalistas de ocasião. Mas devo dizer que também sou um deles e levo adiante enquanto falo uma bateria de testes sobre mim mesmo, e que controlo com rigor metódico. 

Bom, o natal é visto como uma data chave na tradição cristã ocidental. Digo ocidental porque nesse exato momento, o país mais populoso do mundo possui uma influência cristã pequena, patética quase. Não é melhor ou pior por isso, a priori, mas é um exemplo importante para pontuar que enquanto muitas pessoas falam em termos de uma data global, ela de fato diz pouco sobre uma plêiade de pessoas do outro lado do globo.

Por outro lado, se focarmos na nossa tradição ocidental, mas olharmos para além das fronteiras temporais a que nos habituamos, veremos que o natal já era comemorado muito antes de Jesus nascer. Alex Klein falou outro dia que antes de ser usado para celebrar o nascimento de Jesus, era considerado o dia da árvore. Não sei exatamente até onde isso procede, mas não me espantaria em nada que assim o fosse. Sabe-se que um edito de 350 anos após a era de Jesus foi que estabeleceu seu nascimento, não só como uma medida para dirimir uma dúvida que ninguém conseguia, mas sobretudo para se antepor a uma festa de outra religião, vulgarmente chamada pagã (`por que assim é que eu chamo tudo que não é a minha`), em que se comemorava o solstício de inverno do deus Sol.

Do ponto de vista da sociedade de então, fazia muito mais sentido comemorar um deus que tinha, de fato, uma inferência clara nas colheitas e na vida cotidiana. Nunca é demais dizer que achava-se que ele prescrevia uma rota sumindo e aparecendo do outro lado; demoraria muito tempo para alguém propor algo mais realista: que na verdade, nós é que prescrevíamos uma roa em torno dele. Mas por uma série que movimentos na história, sempre complexa demais para caber no que se escreve a respeito dela, a religião de cunho cristã foi se impondo.

Nada demais para a época, é preciso que se diga. Roma sempre que subjulgava uma nação, trazia consigo as pretensas divindades veneradas no lugar, construíam um templo em sua homenagem e a incluíam nas suas festas anuais. Foi Roma, cujo império ergueu muito da civilização moderna de concentração de pessoas em grande cidades, quem oficializou a religião cristã. Mas só o fez quase quatro séculos depois, e os cultos cristãos então realizados eram tão diversos, tão diferentes entre si que a igreja nascente ali precisaria de mais uma dúzia de séculos para unificá-los. 

Esse reconhecimento tardio deve-se ao fato incômodo aos crentes mas factual que a religião cristã não foi fundada por Jesus. Ele era um judeu falando a outros judeus e a Bíblia, por mais que padres e pastores se esmerem em torcer significados, é clara a esse respeito. A insignificância do movimento de Jesus em seu tempo fica evidente quando justapomos o que se diz a seu respeito hoje em grau de importância e o que se sabia a respeito dele na época. Ora, ninguém sabe quando nem como ele nasceu; os quatro evangelhos aceitos são contraditórios em muitos aspectos e, ademais, excluem convenientemente as informações do que Jesus fez dos doze aos trinta anos. Considerando as alusões ao seu nascimento uma invenção que buscava legitimar uma ideia (comum nos escritos de uma época em que não se sabia a sua origem), o que se tem de mais concreto são os três anos em que Jesus apareceu como mais um dos messias que coalhavam Jerusalém da época.

Os mecanismos que fizeram de Jesus o que é são complexos e não me atreveria a sequer tentar esgotar isso com uma conclusão apressada. Mas essa afluência atual em torno da sua figura é muito mais um fenômeno moderno, que nada tem a ver com o nazareno enquanto homem. Isso, claro, se é que existiu. As pessoas que esperam sua segunda vinda são convictas da mensagem que acreditam ser dele. As pessoas se acostumam a não fazer perguntas; a receber os conceitos sem pesquisar uma linha que seja. E assim, você dificilmente encontrará um seguidor cristão que seja capaz de articular razões para sua crença fora daquilo que o seu pastor ou padre prega nos fins de semana. Ele lerá a Bíblia como o melhor dos livros sem achar estranho que a magnitude do que é dito ali use como referência o próprio livro. É verdade porque... está ali. Não é à toa que essa credulidade tornou-se uma forte razão de exploração em todos os níveis possíveis no mundo moderno.

E ainda assim, as redes sociais são tomadas sobre "o verdadeiro sentido do Natal"; todo mundo explica que é Jesus, não o papai noel. Bom, segundo a população em massa do outro lado do globo e de todos os que viveram no passado, não é nem um, nem outro. 

O Natal é uma comemoração que está há muito tempo na nossa civilização. Mudou de sentido algumas vezes para acomodar crenças de forma conveniente, e a recorrência da História é um sinal claro que pode sofrer mudanças dessa natureza no futuro. Independente da crença que se tenha, a ideia de parar e celebrar com os seus uma esperança que parece se afogar no dia a dia em que vivemos é tão necessária quanto real. Era assim no tempo da deusa árvore, de Hórus, de Jesus ou quem mais vier. 

O que faz do Natal a sua maior força é a reunião entre os que não se viam. De encontrar de novo seus amigos e parentes e ver nos sorrisos e abraços uma identificação natural que reforça em cada um os laços profundos que constroem o que somos: uma rede interlaçada de pessoas que contribuem mutuamente pelo bem estar do outro. Senão de todos, ao menos daqueles que amamos.

É isso. Um feliz natal com aqueles que lhe são estimados!




sábado, 17 de novembro de 2012

PCC em... SC?



É muito fácil criar o pânico que os jornais e tevês transmitem hoje em dia. E não é difícil demonstrar como isso pode ser feito. Três ou quatro pessoas bastam. Se cada uma delas contratar uns pobre diabos com a missão de parar um ônibus, mandar todo mundo descer e tocar fogo, saindo em disparada em seguida, poucas pessoas argumentariam que seria impensável. Ora, qualquer um pode subir num ônibus e anunciar a ordem de evacuação, um assalto, ou mesmo aquelas pregações que ninguém ali pediu (ou teria ido a uma igreja ao invés de bater perna). Ofereça ainda como troféu R$ 50,00 a cada posto da PM que eles conseguirem alvejar com suas armas calibre 12, montados em motos 125.

O resto, a imprensa e os duplicadores de redes sociais fazem por conta. “Ataques já somam 12 ocorrências”; “secretário Ciclano fala em 60 mortos”, e pouco importa se ele incluiu o fluxo regular de homicídios que um estado normalmente tem; afinal, quem está prestando atenção?; “a polícia já prendeu X pessoas”, mas aparentemente ninguém fala a mesma língua já que não são dados os nomes de quem seja o mandante, nem o por quê. E com base em manchetes como essa, a “rede” se agita e encarrega-se de transmitir a mensagem: o crime tomou conta.

Nessas horas eu sempre percebo a falta que faz de um pouco de filosofia nas escolas, porque a massa dá demonstrações diárias de ser beata demais. Os meios de comunicação, que deveriam ser os primeiros a divulgar TODAS as informações e analisar os fatos sobre todos os ângulos são os primeiros a tergiversar, fazerem o enredo de novela... e  por que não? E a venda dos jornais que quase já não saíam, não aumentou? E as redes sociais, você pergunta. Bom, elas são a extensão das pessoas por trás delas. De cada dez frases publicadas com fotos de floresta, no mínimo a metade erram o autor. Como podem ser elas um contraponto à mídia corporativa a quem o terror das pessoas tanto interessa? Simples: não podem. Não ainda. A foto da movimentação de caminhões do Exército na rodovia catarinense é o sinal que faltava; a situação está fora de controle e o Exército “foi” para SC. Claro que o fato de o Exército já estar em SC parece não ter ocorrido às pessoas que abonaram a ideia.

Mas e as três ou quatro pessoas lá do começo, o que fazem? Que tal tomando cerveja num bar e rindo de como as pessoas são facilmente assustadas? Quando o pavor toma conta, as perguntas que deviam ser feitas não são. E pessoas que não questionam são como muitos dos que conheci na minha vida de estudante toda; só estão ali pra levar a nota. E olha que as perguntas e serem feitas nem são difíceis.
Podia-se começar com quem ganha em assustar as pessoas do Estado, espalhando o caos? Se alguns policiais tiverem pessoas inconvenientes a eliminar, não seria uma boa hora? Observe que inconvenientes não são necessariamente bandidos; talvez até outros policiais menos coniventes, ou um novo comando cuja presença incomoda a um grupo. E portanto não seriam eles esses suspeitos de serem esses três ou quatros que armaram o circo? Em Salvador, na Bahia, durante a greve da polícia, alguns dos próprios policiais não ficaram contentes em ver a criminalidade não triplicar nas ruas, então eles mesmos puseram máscaras e saíram atirando nas ruas como se estivessem no velho Oeste. Filmado e tudo o mais.

Muitas outras possibilidades podem ser arroladas aqui, mas é certo quem quer que seja o(s) mandante(s), seu objetivo é causar pânico. Ninguém armado de um pica fogo qualquer sai atirando em cabines da Polícia de graça. Nem deixa pra queimar ônibus sem ninguém dentro em pontos finais de linha à toa.  Em todo o caso, antes de ficar compartilhando notícias de quantos ônibus forma queimados, talvez seja prudente verificar, por exemplo, se os donos da empresa não estão com dívidas suspeitas, se os suspeitos não são vacas de presépio de um enredo maior, geralmente menos fantástico e mais simples.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Estado Laico, graças a deus... mas qual?

Vi no Facebook um texto de um tal Ciro Sanchez Zibordi com o curioso título de "Laicismo seja louvado", disponível aqui. Claro, eu já imaginava o que viria. De cara, o autor começa chamando de "grande assunto do momento" o pedido do ministério Público para a retirada das cédulas a frase "Deus seja louvado". Deixa antever que o assunto lhe parece bastante relevante e dá uma ideia que a mera correção de um gesto anacrônico lhe incomoda bastante. O problema, como se verá, é que sua argumentação é falha, pueril. A tônica do seu discurso pode ser resumida no seguinte parágrafo:

"Ora, se a aludida frase incomoda tanto o MPF, bem como os ateístas, ativistas LGBTUVWXYZ e adeptos do laicismo, de modo geral, sugiro que eles façam propostas ou exigências mais amplas, além de requererem a exclusão dos "abomináveis" dizeres contidos nas cédulas do real. Se o Estado é laico (...) que não haja mais nenhum feriado ou comemoração religiosa no Brasil. Não seria bom para todos eliminar o calendário católico, em nome da laicização? Imagine o que aconteceria com o comércio, se não houvesse mais os dias de N.S. Aparecida, Páscoa, Finados e Natal!"

Quase parei de ler quando vi a sua piadinha de péssimo gosto quando grafou a sigla dos homoafetivos; essa forma de tratar do assunto demonstra um preconceito pouco recomendado para quem quer que fosse, mas é pior no discurso de alguém que pretende ser a baliza moral dos seus seguidores. Ele também tenta impingir aos seus leitores que o pedido de remoção dos dizeres seria por serem 'abomináveis', seja lá o que isso queira dizer. Além disso, numa vitimização bem infantil, o autor propõe que retirem as feriados e comemorações religiosas do calendário.

Ora, direto ao ponto: os dizeres devem sair da cédula do nosso dinheiro não porque são abomináveis, mas porque num Estado laico, não há preferência por esta ou aquela religião. Ele não proíbe as manifestações ou comemorações religiosas. Laico quer dizer neutro religiosamente falando, e basta imaginar que na cédula tivesse a expressão "Oxóssi seja louvado" para perceber que a opinião de Ciro seria exatamente o contrário. Mas, por não saber o que o termo quer dizer, ele inventa a definição que lhe convém ao papel de mártir e sai às cegas, combatendo moinhos de vento como se fossem dragões. Todos os demais problemas do seu texto se referem a isso. "Porque existir cidades com nomes de santos?", ele pergunta, embora eu tenha quase certeza que se o Estado retirasse as denominações católicas de Maria como Nossa Senhora Aparecida, ele vibraria secretamente.

Assim, além de mostrar publicamente seu desconhecimento em relação ao termo "Laico" (reprovável em todos os sentidos, já que basta quinze segundos na internet pra se informar a respeito), o autor também demonstra que compartilha da verve cínica da pior ala religiosa brasileira; explorando a fraqueza de caráter de alguns de seus fiéis, ele joga com a desinformação e tenta atingir ateus, religiosos de outras denominação, gays e até o deputado Jean Wyllys. Se fosse há uns anos atrás, só faltaria incluir os negros e as mulheres. E, por último, fecha com chave de ouro com a velha e manjada falácia do "Isso vai diminuir a criminalidade?", como se o critério para o que deve ser feito pelo Estado devesse incluir somente isso. Investimentos em saúde e pesquisas científicas também não costumam alterar índices de criminalidade, mas só alguém munido de uma estupidez colossal diria que isso seria um motivo para que não fossem feitas.

Em resumo, Ciro Sanchez não está contente em somente destoar do bom senso e da razão ao reclamar que o deus que sua denominação acredita não tenha privilégios numa sociedade onde ele é só mais um; ele não está satisfeito em cultivar para si a desinformação e a ignorância. Ele também precisa subir na montanha mais alta e dizer isso a todos à sua volta.

domingo, 11 de novembro de 2012

ENEM para todos... será?

Acompanhei pela internet que a justiça brasileira permitiu a judeus ortodoxos e adventistas a opção de ficarem confinados no sábado mas só inicirem a prova do ENEM após o pôr do sol. Muita gente deve achar que isso é uma questão de respeito à religião de cada um e que ninguém sai prejudicado. Pessoalmente não penso dessa forma e vou dizer o porquê.
 
A ideia que o Estado é laico não pode ser perdida de vista nunca, por isso talvez seja importante dizer o que isso significa. Em poucas palavras, é a não interferência da religião nas decisões do Estado, seja ela qual for. Não há nada errado em fazer concessões à algumas denominações quando isso não inferir prejuízos aos demais cidadãos. Infelizmente, esse não é o caso de uma prova pública a nível nacional. Nesse tipo de concurso, a lisura do processo deve ser absoluta, e o Estado não pode, sob pretexto nenhum flexibilizar normas para alguns se isso incorrer na possibilidade de fraude.

Para qualquer um que já fez provas, sabe que uma das coisas que garante a isonomia da avaliação é o fato de que todos os candidatos começam a prova no mesmo horário. E há razões práticas pra isso. Mesmo com toda a fiscalização, sabemos que o sistema é falho. Mais de sessenta candidatos foram desclassificados por postarem fotos das provas em redes sociais e isso foi somente os que foram identificados. Segundo as fontes oficiais, os candidatos religiosas beneficiados pela medida ficariam isolados até do início da prova até o pôr do sol, quando iniciariam a sua. Junto de si, poderiam portar somente a Bíblia.

Mas aí começam os problemas: alguém pode garantir que nenhum desses quase noventa mil candidatos em todo país não tinham acesso à internet com celulares escondidos? Não, não pode. E se alguns desses, já sabendo que fariam sua prova depois dos demais tivessem combinado o envio de resultados via sms, isso seria absolutamente detectável? Nem preciso responder. Esse é um dos motivos pelos quais a isonomia não estava garantida na prova do ENEM. O sistema permitiu a brecha para que os muitos candidatos que conseguissem burlar as regras tivessem êxito. E observe que minha argumentação nem é de que isso ocorreu. Sinceramente espero que não. Mas se tivesse ocorrido, foi uma falha desnecessária que o Estado poderia ter evitado se não fosse tão condescendente e influenciado com tudo aquilo que vem da religião. Se a eleição fosse num dia desses, também teríamos que ter horários especiais durante a noite para votar porque algumas crenças julgar pecado apertar um botão durante um dos dias da semana?
 
Além disso, aceita-se com facilidade porque professam o mesmo deus judaico cristão sob os quais boa parte da população brasileira estabeleceu suas crenças. Basta imaginar concessões parecidas à religiões de matiz africanas ou orientais para perceber que nem todos seriam de igual apoio.

Se as pessoas vissem a cidadania e os direitos iguais para todos como uma meta, seria risível permitir uma coisa dessas. Se tivessem o mínimo de consciência a respeito do quão prejudicial é para uma comunidade quando uns são beneficiados em detrimento de outros, esses candidatos que tanto prezam sua religião deveriam ser os primeiros a não concordar com essa medida. A dizer em alto e bom som aos seus pais e professores que não aceitam distorcer as chances ou terem tratamento diferenciado. Que vivemos todos sob o mesmo sol e chuva, todos com nossos problemas, mas que independente da crença que possuímos, maior é a lisura de uma avaliação como essa, que põe em cheque a chance de obter com absoluta justiça uma vaga no sistema de ensino superior. Que para muitas pessoas, essa é a única forma de cursar uma faculdade e não é justo abrir um precedente desse por conta de uma crença sem base alguma. 
 
Se amassem ao outro como a si mesmos, veriam o absurdo que é colocar os seus interesses acima dos demais.

Sobre o tal mensalão...

Desde o começo esse tal julgamento do mensalão me causou estranhesa. A mídia (um eufemismo para seis famílias que decidem o que vai ser publicado e o que não) apoiando em peso foi um sinal disso; a transmissão como se fosse um reality show, que terminou mostrando o baixo nível das nossas excelências, completamente incapazes de arguir sem ofensas mútuas, foi outro.
Usou-se a tal Teoria do domínio do fato para as condenações que, como bem sabe que acompanha as notícias na internet, foi a tábua de salvação da corte, já que não havia provas suficientes. O que ninguém disse é que a tal teoria é de um jurista alemão e cuja aplicabilidade era em regimes totalitários, em especial o nazismo.
Em entrevista publicada na Folha, o próprio juiz de passagem pelo Rio agora repreende o STF por usar equivocadamente a Teoria de sua autoria. Segundo ele:
"A posição hierárquica não fundamenta, sob nenhuma circunstância, o domínio do fato. O mero ter que saber não basta. Essa construção ["dever de saber"] é do direito anglo-saxão e não a considero correta. No caso do Fujimori, por exemplo, foi importante ter provas de que ele controlou os sequestros e homicídios realizados". http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/teorico-do-dominio-do-fato-repreende-stf
O detalhe é que a entrevista estava pronta a duas semanas, e aguardaram para publicar somente depois de terminado as eleições. A sanha de condenação foi alta, mas agora que a eleição já passou, começa-se o desmonte da lona. Uma justiça que condena sem olhar provas e distorcendo fatos é útil para atingir o que os jornais já não conseguem mais. Mas calma aí, porque o próximo que vem na esteira é dos nossos e ninguém vai querer o patrão na berlinda, vai?

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Sobre penitenciárias e preconceitos em Imaruí

Ou como garantir a manutenção da ignorância...
O vídeo a seguir é uma falácia. Típico de quem quer gerar o pânico em moradores de cidades pequenas como meio de exploração política. As músicas (de Enya a Carl Orff, uma mistura típica e batida) e as imagens são cuidadosamente escolhidas, mas não para informar as pessoas; seu objetivo é transmitir o ponto de vista de quem propõe o vídeo, o que não tem relação alguma com a questão do fato em si.

No sul de Santa Catarina, minha cidade Imaruí vive um debate sobre a instalação de uma unidade prisional no município. Acompanhei a argumentação dos que são contra a instalação e devo dizer, são deprimentes. Não há ali nenhum que seja convincente; o que fazem é dar uma falsa argumentação aos que dizem "não quero e pronto". Os que demonstram um preconceito abissal com o que não conhecem e não sabem, além dos que temem, claro, que a ideia não seja de fato ruim, mas muito boa; para a arrecadação, geração de empregos e o fluxo da cidade.
"A ideologia de status superior do grupo estabelecido é, em muitos casos, disseminada e mantida por fluxos de fofocas que reproduz todo e qualquer acontecimento que pode elevar a imagem do grupo de estabelecidos e de situações capazes de reforçar a imagem negativa do grupo de outsiders [pessoas de fora].".
A frase é tirada do estudo que está logo abaixo. Se você quer fundamentar um argumento a favor ou contra algo, deve usar dados relevantes, e não explorar o preconceito com imagens de favelas e a violência fora do contexto. Isso porque sendo um empreendimento que mexe com a vida de toda uma cidade, o seu "não quero" é irrelevante quando posto lado a lado com os interesses de uma comunidade. "Não quero porque é ruim" precisa ser demonstrado, não aventado como possibilidade real, especialmente se habita somente o imaginário de quem propõe. Separei um estudo de uma pesquisadora da Unicamp em que ela analisa a construção de nada menos que 13 presídios em uma região ao norte de SP. Há indicativos de aumento de violência? Não. O que aparece que um aumento da vida financeira dessas cidades, que deve ser aproveitado pelos moradores e a administração local no treinamento da mão de obra para atender essa demanda.

http://www.abep.nepo.unicamp.br/encontro2010/docs_pdf/tema_6/abep2010_2657.pdf

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Duas opiniões sobre cotas raciais

Observe como ser negro ou branco nada tem a ver quando o assunto é um argumento claro que não tergiversa sobre o que se fala.

Primeiro, a opinião do humorista Hélio de la Penha. Coloque direto em 1'26 minutos para ir ao que interessa.



Compare agora com a opinião de Pedro Cardoso.

terça-feira, 24 de julho de 2012

A ilusão em "Smile"

Charles Chaplin (à esquerda sem maquiagem em 1920 e à direita no personagem que o consagrou)



"Sorri... vai mentindo a tua dor. E ao notar que tu sorri
Todo mundo irá supor que és feliz."

Eu sempre vi na letra de Smile uma divagação sobre o dilema do palhaço, que tem de fazer os outros  rirem, mesmo que esteja dilacerado por dentro. Vou usar essa ideia de ponto de partida, embora eu saiba que essa música não se preste como exemplo do que quero falar.
...

Ninguém gosta de sofrer, e nem preciso dizer que isso é fato. É uma sensação que ninguém deseja, mas que às vezes me faz pensar que algumas pessoas chegam a extrapolar esse sentimento, chegando a achar que ele não existe. Aqueles que aderem a esse pensamento podem ser identificáveis através de mensagens e dizeres que eu chamo excessivamente positivas. Mas existe positivo demais? Sem dúvida alguma. E isso é ruim? Péssimo.

Pessoas que tendem a esse comportamento às vezes não dão tempo ao tempo para pensarem profundamente sobre suas vidas. Estão sempre "pra cima", sempre dizendo que não se importam com "o que vem de baixo", e não vêem problema em consolar ou aconselhar o outro que sofre da mesma forma. "Ele não te merece", "ela está num lugar melhor agora", "foi melhor assim", e por aí vai. O que acontece é que isso pode ter o efeito contrário do que se deseja, e fazer com que a pessoa ali diante delasacabe parecendo estar melhor, parecendo ter superado, parecendo estar feliz. Uma tentativa vã de não parecer frágil aos olhos de quem parece tão alheio ao que se sente.

Não há, nesse mundo inteiro, prisão pior do que o fingimento. Pretender algo que você não consegue ser, não deseja e acima de tudo, não quer. Você pode esconder dos outros o que de fato você está pensando e sentindo por um bom tempo (ou uma vida toda) com uma boa dose de sucesso; algumas pessoas se tornam muito boas nisso. Mas você não vai poder esconder isso daquele travesseiro que te aguarda todas as noites na cama, nem do espelho que passa a vida esperando os outros passarem diante de si para que sua existência tenha sentido.

Com a melhor das intenções, temos a vontade de consolar um amigo que sofre e nos esquecemos do básico: se você perdeu alguém da família, se perdeu o emprego ou ele é um espinho dolorido e te causa dissabores um atrás do outro, ou ainda se seu relacionamento acabou, saiba que não existe consolo. Não naquele momento. Não no agora. As coisas levam tempo para se ajeitar e faz parte do processo da vida. Não fique enchendo os bolsos de escritores de auto-ajuda lendo "O Segredo" [de eu ter ficado rico sem fazer nada], "Quem mexeu no meu queijo?", nem "Homens são de Saturno, Mulheres são de Vênus" (ou algo assim). E não impinja isso aos outros, desmerecendo o sentimento honesto com palavras que o banalizam; querendo-os fazer acreditar que o sofrimento alheio é uma demonstração de fraqueza.

Se alguém sofre, é importante que procure um amigo de verdade para estar perto. Para falar do que sente sem ser interrompido por "não fica assim", "isso é bobagem" ou outras pérolas do ramo da literatura dos rasos. Esteja com alguém que sente do seu lado sem te julgar, que ponha a mão no seu ombro, te abrace e, mesmo, que chore com você. Que esteja disponível vez por outra ao menos para um momento verdadeiro num mundo tão superficial. E se você não é a pessoa que sofre, tente ser isso para alguém que você gosta e que passa por isso.

Lembre que rir e chorar é parte do que somos, parte da roda da vida. Voltar a sorrir sinceramente, e não para agradar um interlocutor insensível, demanda tempo e reflexão. Às vezes, tudo o que você precisa para encontrar sua alegria é não fingi-la num momento inapropriado. Cruzar o vale de lágrimas com certeza não é bom, mas é honesto se é como se sente. É ser humano o suficiente para admitir suas fraquezas ao menos para você mesmo e aprender a se ver no outro que sofre. E se precisar de ajuda profissional, procure-a pois isso não te faz menor. Se entender que alguém precisa disso, sugira.

Estar ao lado de alguém dessa forma é especialmente revelador, porque não basta recitar frases de efeito. Você tem de se abrir de verdade e buscar uma conexão mais profunda que a verbal. Não se espante porque a maioria das pessoas que conhece vão sumir nesses momentos; é uma atitude madura perceber, por outro lado, que é injusto exigir isso de qualquer pessoa. Mas para aqueles que são capazes, não há nesse planeta inteiro sensação melhor nem de maior confiança na nossa humanidade que olhar pra trás e perceber aquela presença firme e sincera quando todo o resto parecia instável.

Palavras voam com vento; atitudes ficam para sempre.


domingo, 15 de julho de 2012

Sobre bandas militares....


Não é novidade alguma para os músicos de bandas escolares, municipais e de igrejas de todo o país que as bandas militares representam uma oportunidade visível para uma carreira estável. Músicos adolescentes se vêem nas fardas oficiais das três forças e tem nelas uma promessa de seguir adiante aliando o que gostam de fazer com o ideal de uma profissão. E isso ainda torna mais difícil a adaptação quando muitos deles conseguem atingir essa meta e percebem que o meio, infelizmente, deixa muito a desejar quanto à profissionalização.

Quando você passa a conhecer a realidade que há por trás daquelas apresentações em praça pública que tanto incentivam esses jovens músicos, percebe que há um abismo de diferença entre a promessa e a realização, entre o sonho e a realidade. A rotina de competir para quem estuda mais (ou quem "toca mais") tão presente na vida das bandas civis contrasta imediatamente com a rotina diária em bandas militares. Nelas, profissionalizar-se é uma quimera, uma ingenuidade adolescente e sem futuro. Mais do que isso, é uma atitude indesejável e sem o menor traço de estima pela visão institucional dominante. Escondidos em hierarquias, graduações e patentes, muitos deles justificam essa postura com os argumentos mais variados e rasos possíveis; a ausência de um aumento financeiro, a inexistência de uma obrigação legal que faça com que isso seja praticado, a inveja pura e simples, e por aí vai.

O desrespeito à profissão de músico nas casernas é antigo e reflexo de uma série de fatores. Antes de mais nada, a própria incapacidade de comandantes de perceber o potencial literalmente inaudito desses homens e mulheres que compõe suas fileiras. Mas avança ainda mais; num mundo de sobras e migalhas, aqueles que as distribuem adquirem na sua própria visão um prestígio sem paralelo com nada do que teriam na sua vida cotidiana. Sem uma política institucional digna, a classe é deixada à mercê de líderes absolutamente incapazes e interesses variados e, às vezes, mesquinhos. Regentes desprovidos de talento e, muito pior, sem formação alguma arrotam sua ignorância abissal ao se vangloriar disso; ao se exporem diante de quarenta instrumentistas à sua frente sem ter uma vaga ideia do que fazem ali, eles não percebem o papel ridículo que representam para si e seus pares. É um jargão conhecido que os ensaios são feitos para "dar uma passadinha na música", e muitas das chamadas rotinas semanais constituem-se de uma tentativa canhestra de parecer que se faz algo, só para que o chefe da seção ao lado não perceba a inércia motivacional.


 O grupo de percussionistas das Forças Armadas da Suiça mostra num espetáculo que alia um rigoroso treinamento musical com o aspecto cênico e performático. Um exemplo que a música em bandas militares pode se valer da disciplina com resultados extremamente positivos.

No período em que pertenci a esse meio, vi e participei de alguns dos maiores absurdos que não achei que veria em vida: o caminhar muitas vezes de um lado pra outro no sol sem saber o porquê; tentativas de melhorias das condições de trabalho serem rejeitadas porque “vai trazer muito serviço”; regentes desesperados por um sinal visual durante a música para saber onde andavam na partitura e quando deveriam encerrar a música; a atitude debochada e sem paralelo dos que sempre julgaram sua posição hierárquica uma justificativa para que a sua estupidez fosse não só tolerada, como também aceita e seguida; e ainda a humilhação degradante e de forma pública de uma voz discordante, independente das suas razões serem acertadas. As exceções existem em grande número, e muitos dos melhores músicos que conheci pertencem a essas bandas. Mas eles representam uma minoria cuja individualidade vai se corroendo com o tempo porque ninguém aguenta viver contra um sistema inteiro o tempo todo.

Costumo dizer que as bandas militares ainda procuram seu lugar enquanto instituição. Elas não se encontraram ainda e talvez todo esse conjunto frustrante de experiências colhidas por mim e outras pessoas sejam um tipo de assentamento tectônico natural para que as arestas sejam aparadas e alguém finalmente tome uma atitude em relação à isso. Mas esse continente se move devagar e não há demonstração de uma saída a médio prazo. A impermeabilidade desse meio faz com que as mudanças dificilmente sejam vistas como coisa boa. 

Por outro lado, as saídas existem, e são várias; para começo de conversa, atacar a formação é fundamental. A abertura de concursos independentes para regentes com formação na área seria uma forma de garantir que aquele que está à frente do grupo possua pelo menos a condição mínima de falar sobre aquilo que exerce e conduzir um ensaio adequadamente. A valorização de grupos de câmara dentro dos naipes de instrumentos com trabalhos paralelos ao da banda em si, com horários de ensaios definidos, rotinas de trabalho e apresentações próprias também são uma forma de dinamizar e incentivar. A criação de uma estrutura interna saudável de trabalho, com setores independentes para a digitação de partituras e manutenção de arquivo, o secretariado e trabalhos burocráticos, uma comissão de relações públicas pronta a dar declarações e entrevistas sobre música e afins, projetos dinamizados que incluam a formação de plateias em escolas e eventos públicos.

Além desses, pessoalmente tenho a convicção que um grupo de quarenta profissionais usados única e exclusivamente para atender a uma demanda interna de um desfile semanal é subaproveitar o material humano em mãos. Parcerias entre governos federal, estadual e municipal poderiam usar os voluntários desses meios na criação e manutenção de bandas de música pelo país a fora e que tantas vezes são mantidas muito mais por entusiastas mas sem uma opinião mais adequada sobre a prática do fazer musical.

Ver a banda passar pode ser uma atividade prazerosa e da qual as lembranças são sempre vivas na memória. Mas é preciso notar que, se tal qual na música de Chico Buarque, tudo volta ao normal depois que ela passa, também para as bandas militares os curtos momentos nas suas apresentações podem representar também para eles um acontecimento fora do usual, onde tudo volta ao normal quando retornam à sua realidade pouco estimulante.


quinta-feira, 12 de julho de 2012

Padres e padres

A Igreja Católica teve a sua longeva história marcada por atritos e discordâncias, seguidos de momentos em que a tentativa de contorná-los podia ou não ser bem sucedida. A Reforma e a Contra Reforma demonstram isso em uma perspectiva mais ampla, com a cisão da verdade cristã e o início de uma série de denominações que se multiplicam a cada dia ainda hoje.

Entretanto, ainda que não seja divulgado com a frequência desejada, as atitudes críticas em relação à postura oficial da ICAR aconteceram e acontecem em níveis mais sutis dentro dela própria. Se é certo que essas divergências não se localizam em aspectos fundamentais da doutrina ou provocariam uma nova cisão, também o é que elas podem ser bastante ruidosas e deixar rusgas e marcas entre grupos diferentes, ainda que não sejam visíveis ao público externo.

Acompanho o enterro de Dom Eugênio Sales e o balanço que é feito rapidamente pelos meios de comunicação à sua atuação no que foi o mais longo episcopado do país. Antes de mais nada, uma coisa é certa: ele pode ter sido uma grande pessoa e sua atitude de proteger perseguidos políticos na ditadura pesam muito a seu favor. Não vou cair no erro fácil de julgar a facilidade de fazê-lo quando a ditadura em si já perdia as forças e não representava um perigo tão grande assim; quem vive a sua época é que sabe os perigos a que é submetido.

Mas, ainda assim é preciso que se pontue sua postura conservadora, convenientemente aliada aos interesses do então cardeal Ratzinger. Mais do que isso, ele combateu o envolvimento político das CEBs (comunidades eclesiais de base), especialmente materializados na doutrina conhecida por Teologia da Libertação. As críticas mais comuns que a Igreja fazia ao movimento eram que essa teologia colocava os pobres como elemento mais importante que Jesus. Embora por si uma justificativa absurda, na prática fica ainda pior porque era uma tentativa de impedir que uma interpretação incômoda dos Evangelhos submetesse os poderosos à justiça terrena.

Por ser do interesse da cúria romana, sua ala foi favorecida em detrimento de bispos como D. Paulo Evaristo Arns, Dom Oscar Romeno ou Élder Câmara, que eram alguns dos expoentes da Teologia da Libertação. Nesse sentido sua biografia se apequena; ele pode ter ajudado refugiados políticos, mas esteve longe, muito longe de ter sido uma voz que se levantou contra o regime ditatorial. Como arcebispo de Salvador, teve a mão muitas vezes beijada por Antônio Carlos Magalhães; ele, em pessoa celebrou a missa de corpo presente do filho de ACM, Luis Magalhães, mais recentemente. Ou seja, ele tinha livre acesso aos poderosos. Em entrevistas, dizia-se amigo de generais do regime e que eles respeitavam sua independência. Não parece ter-lhe ocorrido que esse respeito devia-se simplesmente ao fato da sua independência não incomodar em nada o regime em si. Num mundo de carnívoros, Dom Eugênio foi, no máximo, um herbívoro bem intencionado.

A pomba solta dentro da igreja no seu velório, sem ter onde ficar e atordoada por estar num ambiente estranho acabou pousando no caixão de D. Eugênio, numa clara demonstração que era o local mais plano e com menos pessoas perto já que se encontrava longe das demais pessoas que se aglomeravam para vê-lo. Mas longe dessa interpretação dos fatos, leio que sua permanência ali impressionou os fiéis profundamente e que isso poderia apontar como um sinal de santidade do mamífero que jazia dentro do caixão (como se sabe, a pomba é o símbolo do Espírito Santo para muitos cristãos, sobretudo católicos; e um artigo no blog do Nassif evoca semelhante analogia no candomblé). Se isso fosse verdade, e não cogito essa possibilidade nem por um segundo, seria duplamente irônico perceber que a pomba defecou sobre o caixão. E agora, isso também é um sinal...? Ou não é porque estraga a teoria que se quer montar sobre os fatos?

terça-feira, 10 de julho de 2012

Divagações de uma viagem na Suiça

Outro dia no trem vindo de Milão a caminho de Lugano vi uma cena que foi ao mesmo tempo constrangedora e didática; constrangedora porque não há como não nos ver na humilhação que outro ser humano passa nas situações mais bizarras desse mundo, e didática porque sintetizou numa única cena materializada bem na minha frente, toda uma relação de poder e exploração, com seus desdobramentos.

Um senhor negro viajava na minha frente (as poltronas são dispostas de uma forma que grupos de quatro pessoas ficam sempre frente a frente) desde Milão, quando vi surgir numa das entradas do vagão em que estávamos os guardas da imigração. Eles fazem revistas rotineiras nessas viagens, e eu mesmo já tinha sido interpelado umas quantas vezes. Sempre bem vestidos, os dois arianos claros como o dia me olharam e gentilmente pediram meu passaporte. Perguntas normais, "onde está indo", essas coisas. Me desejaram bom dia com um sorriso discreto que logo se turvou na face dos dois quando olharam esse senhor à minha frente.

Como se visualizassem uma ameaça até então oculta para as pessoas que ali iam, o tom de voz imediatamente se alterou, frontes crispadas e falando em um italiano alto, eles lhe perguntaram quem era e pediram pra que esvaziasse os bolsos. Bilhetes velhos, um pacote de balas aberto, quinquilharias banais pareceram ganhar contornos de arma secreta para os guardas que examinavam os pertences com luvas de borracha. Pego de surpresa, o bom homem perguntou se tinha algum problema, com uma expressão claramente de quem não entende o tratamento que lhe dispensam. A atitude foi mal interpretada pelos arianos que exigiram que o tal senhor se levantasse. 

Começou um verdadeiro interrogatório na frente de todos, com o pobre homem tremendo e visivelmente consternado por ter sido escolhido como exemplo diante de pessoas que não conhecia, e provavelmente jamais conhecerá. Os guardas, por outro lado, pagos para identificar estereótipos dos quais sua sociedade deve ser resguardada; dos sem cultura, sem educação, vagabundos sem alma que tentam destruir o mundo encantado em que vivem. O diálogo se seguiu por vários minutos, mas confesso que a partir de determinado ponto, eu fui deixando-o em segundo plano. A cena diante de mim falava mais, em um tom muito mais berrante e desagradável, e me foi impossível não transferir minha atenção para ela.

Sabemos que dos altos céus um grupo de dez a quinze pessoas divide esse planetinha de merda de acordo com seus interesses; eles controlam sistemas políticos, o consumo, as crenças, a cultura. E suas atitudes nunca refletiram uma única preocupação com as consequências que o jogo de quem tem mais causa nas pessoas. Pois eis que aqui no mundo real, num dos trens do melhor sistema de transporte do planeta e bem diante de mim, dois indivíduos bem empregados de um país onde investimento não falta mas cujo manutenção vem diretamente do investimento de tudo que é roubado e surrupiado em várias países do globo, achacavam diante de si um perplexo senhor, provavelmente vítima dessa exploração em seu país de origem e obrigado a procurar emprego em outras pastagens.

Não havia de quem cobrar a conta. Pouco adiantava, se ele tivesse consciência disso, dizer ali que os papéis estavam invertidos; que ele não era o marginal, que não era sua culpa ter sido explorado ao ponto de sair pelo mundo em busca de sobrevivência. Dizer ali que deviam ser eles a lhe pedir desculpas por apoiar e louvar esse sistema, de um país que sequer se importa de onde vem o dinheiro que irriga as obesas contas que são sua principal fonte de renda. Que ele já havia sofrido o suficiente por uma vida só e que não se fala assim com outro ser humano, especialmente estando triplamente errado como no caso deles.

Mas essas foram divagações da minha cabeça. No mundo real diante de mim, o homem era levado corredor à fora, à vista de pessoas em cujo olhar transparecia, como último insulto, um sentimento de desprezo para com aquele que ali ia, ainda que todos nós, eu, o senhor negro, os guardas arianos, senhores e senhoras de bem ali sentados, tenhamos descendido da mesma ameba e fossemos, por isso mesmo, todos irmãos de uma mesma raça. Convenientemente dividida para que se culpe uns aos outros lá na terra pelo infortúnio que vivem, enquanto seus mandantes lá no céu gozam da reputação de continuarem sendo sagrados.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Sonhos...

Às vezes eu sonho quando durmo; são imagens esparsas, relâmpagos que cortam a escuridão da minha noite silenciosa. Eles vão e vem e neles não lembro de como cheguei ali... onde estava antes, quem são as pessoas que aparecem ali comigo, se estão vivas ou não (um fator que sempre me causa espanto é que a participação daqueles que se foram parece não soar absurda quando nos labirintos do teatro que a mente produz). 

Talvez ainda mais estranho que o rol das pessoas que integram esses relapsos do sono mais profundo seja a surrealidade do enredo que ali se desenrola; as mais banais, improváveis, sem nexo. As peças se torcem a todo momento, e de uma situação feliz, imediatamente pode seguir um desfecho aterrador e insano; de perseguidor a perseguido, de mocinho a um bandido sem caráter.

Para algumas pessoas, esses episódios que tanto devem ter afligido os homens de outras épocas ainda sinaliza um acontecimento nesse mundo real, como um aviso sem data nem hora, uma intermediação incompleta, aberta convenientemente à múltiplas interpretações; pode esperar por dias até que surja um evento que algumas características parecçam similares e pronto, era isso! Pra mim, essas pessoas continuam sonhando, mesmo depois de acordadas.

Meu cérebro é uma tempestade de raios contínuos, com sinapses intermitentes e cuja tarefa é construir modelos que me permitem entender o mundo à minha volta. Parece-me plenamente natural que em algum nível esse labor intelectual prossiga de uma forma enquanto minhas demais faculdades se desligam temporariamente. Mas no fundo não me parece nada mais que imagens sobrepostas como uma proteção de tela que paira incólume sobre o suspirar profundo.

O sonha nada mais é do que uma projeção; um solstício isolado que encontra seu momento de brilho quando o sol da lucidez se esvai com a noite. E quando a aurora chega, ele perde novamente o controle e volta às profundezas de mim, esperando a possibilidade de guiar a própria vida... de por em prática essa sugestão de um mundo que não faça tanto sentido, mas onde sentir seja uma experiência mais profunda, sem restrições ou ligações com a lógica dos eventos no mundo real. Uma utopia daqueles que são ofuscados por serem diferentes, por não poderem ser classificados, mas por isso mesmo, nem reprimidos.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Depois do estupro, a castração...

De tempos em tempos, eu lembro que esse blog existe e que é acessado, embora eu não tenha ideia por quem. Sei que é porque meu contador de acesso me diz. Então me vem uma vontade de continuar, embora tempo tenha sido um artigo de luxo ultimamente.Bom esse post é só pra pontuar uma notícia estarrecedora que soube hoje. 

Se alguém ouve falar que em algum lugar, estupraram crianças e que, aquelas que ousaram denunciar eram castradas, a primeira coisa que qualquer um pensaria seria uma tribo na África em tempos remotos, ou no Império Inca Antigo. Ledo engano. Uma investigação na Holanda publicada no jornal Telegraph, demonstrou que se eu achava que abusar de uma criança era o fim do mundo, católicos daquele país demonstraram que eu sou muito ingênuo. A notícia demonstra que, na década de 1950, as crianças abusadas que acusavam os padres responsáveis eram castradas cirurgicamente como castigo pela denúncia. As crianças abusadas eram castradas cirurgicamente como combate à homossexualidade mas também como castigo por ter denunciado o estuprador. Eu fiz questão de escrever duas vezes, porque eu também não acreditei quando li da primeira. Se você lê em inglês, a notícia está aqui; nela é possível ver que há pelo menos dez casos comprovados de castrações como represálias por denúnicias.

Agora, imagine comigo. Uma criança estuprada, porque é isso que é, um estupro. Abuso é um eufemismo usado quando se trata de falar de padres que escondem seu mal cheiro e podridão por baixo de uma batina hipócrita e moralista. Aí, depois do tralma sofrido, de tudo o mais, ela decide denunciar corajosamente e... uma comissão chega, a leva para hospitais católicos e lá elas eram castradas. Isso ocorreu em uma série de casos.

Depois disso, eu simplesmente não tenho palavras. Nenhuma... juro. Eu tento encontrar as razões que me fazem humano mas fico em dúvida do que realmente sou quando vejo membros da minhas espécie agindo institucionalmente dessa maneira. Não dá pra dizer animais, porque somos animais de qualquer forma, mas sobretudo porque animais irracionais não agem assim. Esse nível de sadismo supera todas as ambições da ficção dos malévolos. Não há nada nesse mundo inteiro que possa conter o sentimento de alguém mesmo que parcialmente honesto ao dar de cara com uma notícia dessas. 

Às vezes, o melhor desenvolvimento daquilo que se quer dizer é ficar em silêncio e assim eu escolho.

terça-feira, 22 de maio de 2012

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Homoafetividade... um vídeo bem preciso.

Acho queo autor do vídeo solta umas coisas nada a ver aqui e ali, mas a quantidade de informação, e sobretudo a qualidade delas, é tão boa que vale a pena. Por muito tempo se ouve falar em cura para quem é gay, como se fosse doença. Algumas pessoas podem não entender porque isso é considerado um preconceito tremendo, além de uma idiotice sem paralelo. Pois bem, esse vídeo demonstra porquê.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

terça-feira, 17 de abril de 2012

Veja, que piada...

A Veja, decidida a entrar para a história como a revista de comédia mais lida no Brasil.


segunda-feira, 9 de abril de 2012

O incrível James Brown...

Um show para ver e ouvir... simplesmente demais.

Old, but very very gold!


Correntes...

Pra quem gosta de correntes, aí vai uma boa:

"Goku tem visto suas lutas, e ele diz que elas estão chegando ao fim. Uma esfera do dragão está vindo em sua direção: se você crê em Goku, por favor envie essa mensagem em mais 20 comentários. Não ignore,voce está sendo testado. Se rejeitares, lembre se: Goku disse: Pessoas da terra, me dêem um pouco de energia. Dentro de 4 minutos receberás uma boa notícia!"


PS: Goku é um desenho animado...

sábado, 7 de abril de 2012

Páscoa... ah, a páscoa.

A história que Jesus morreu e rescussitou por nós é um dos aspectos mais incoerentes e ao mesmo tempo, mais lembrados e adorados pela maioria das pessoas que conheço. A história da barganha com deus, em que alguém tinha que pagar pelos pecados dos demais é uma ideia tão atrasada que remete-se aos primórdios da lingua escrita. O termo "bode espiatório" nasceu, nada mais, nada menos,  que da crença antiga que era possível depositar no lombo do pobre animal todos os pecados de um vilarejo antigo e o bicho era deixado à própria sorte no deserto, para morrer de fome e sede.

O sacrifício de animais em toda Bíblia é de fato uma lei; deus não aceitou o sacrifício de Caim porque eram verduras e frutas. Quando Noé saiu da arca, a primeira coisa que fez foi matar um bichinho desses. Sabe-se que havia um imenso comércio no templo vendendo pombos, cabras, vacas e outros menos afortunados para serem abatidos como forma de sacrifício ao deus que lhes observava. Tal qual os Incas que sacrificavam pessoas ao seu deus-sol, há uma longa tradição em muitas das religiões de usar oferendas à sua divindade como prova de fidelidade partidária e um pedido de perdão. O que não entendo é como isso pode ser moral aos olhos das pessoas de hoje.

Se você fez algo errado,pode ser até que ninguém descubra, nunca. Mas em hipótese alguma, alguma outra pessoa vai poder livrar a sua culpa por isso; podem ir condenado em seu lugar, mas isso não te exime de nada. Da mesma forma, essa doutrina de dizer que cristo sofreu por nós é um claro reflexo de uma época em que se acreditava que era possível para alguém ser o "cordeiro, aquele que tira o pecado do mundo". Nada mais infantil.

Se eu cometi algo de ilícito, que claramente prejudicou a terceiros, é minha obrigação assumir meu erro e pagar por ele. Esperar que alguém me livre disso é um atitude semelhante às crianças que quebram algo e esperam não ser descobertas. Mas pior do que isso, quem acha que não só a minha culpa pode ser tranferida a outro, mas ela recai sobre meus filhos, meus netos, gente que ainda nem nasceu e não sabe de nada do que vai encontrar. Crianças pequenas e indefesas que, nessa sociedade fanática já nasce com a pecha de "pecador". E eles ainda acham graça tirar fotos de crianças ajoelhadas rezando, como se fé fosse virtude.

E como se isso por si não fosse pouco, deus precisava cobrar a conta pelos "pecado" que as criaturas que ele pretensamente fez e, ao que tudo indica, sabia exatamente como iam se comportar por conta do instinto que ele mesmo os dotou. Para isso, ele teria enviado seu próprio filho para ser morto e pagar uma dívida que ele podia ter simplesmente perdoado.

Mas não termina aí, como todo mundo que já assistiu àquele berreiro de programa religioso nas madrugadas na tv bem sabe; o filho é morto, mas... não pode ser morto, porque ele também é deus!! Que sacrifício foi esse então? Nem me pergunte.

Eu ainda assisto abismado esse monte de mensagens de páscoa dizendo que o coelho tomou o lugar de jesus como se fosse ruim; como se esse fosse nosso maior problema. É claro que não é. O coelho pelo menos me isenta de tomar parte dessa história toda que é, sob vários aspectos imoral. Primeiro: não nasci condenado porque meus antepassados fizeram algo... isso não é moral nem aqui nem em lugar nenhum. Especialmente de um que ninguém sabe se existiu. Segundo: mesmo que fosse o caso, como alguém que é credor envia o próprio filho para pagar a dívida???? Se ele faz as regras, porque o sofrimento? Porque ele mesmo não deu mostras do seu perdão infinito e sua bondade que é adulada por tudo que é religião e simplesmente perdoou. Porque essa imagem do nazareno ensanguentado precisa ser um sinal de amor todo ano, em todo lugar?

As pessoas tem medo de perguntar, porque certas perguntas podem dar repostas que elas não querem ouvir. Qualquer pessoa que se questionar friamente sobre isso percebe que a história é crivada de erros. Se eu sou o dono, senhor e mestre de uma criação, se tenho o poder de fazê-los como eu desejo, porque eu os faria dependentes de mim, ou de comida, de água? Porque não, simplesmente fazê-los sem essas necessidades, porque se eventualmente elas faltassem, ninguém precisaria morrer por isso.

Começando claro, pelo meu próprio filho para pagar uma dívida absurda que eu mesmo poderia ter evitado.

Definitivamente, não faz sentido.

Feliz Páscoa!

sábado, 31 de março de 2012

Belchior em "Tudo Outra Vez"

Antes de eu ter saído de Imaruí; antes de muita da água que passou por baixo das pontes que trilhei; antes de tanta coisa que nem me lembro, uma canção que ecoa no silêncio que às vezes me permito... e cuja sensação me faz novo, como inspirar profundamente. O sol na lagoa no poente e eu sentado ali, olhando, com a incerteza no futuro como era natural na minha condição, mas sobretudo com o sentimento que eu daria conta se conseguisse me manter calmo nas adversidades, como a pequena e mal tratada lagoa à minha frente.

Hoje, com essas lembranças reavivadas e olhando em retrospecto, eu percebo que já andei por muitos lugares, mas que meu coração sempre esteve ali; não na cidade, não naquela época em especial, ou no pôr do sol, mas com aquela sensação que a cidade da época captava tão bem ao pôr do sol.

Uma lembrança terna e fraterna da minha época de colegial, onde as canções de Belchior sempre me soaram como o fundo musical de um horizonte possível. Uma dessas tantas gavetas que, depois de muito fechadas, se abrem inesperadamente e te faz voltar no tempo e no espaço.

sexta-feira, 30 de março de 2012

Reiki = BABOSEIRA

Para os que ainda acham que essa embromação é verdadeira, um bom artigo sobre Reiki e seus resultados completamente nulos. Direto do Bule.

[abre aspas]


Quando a superstição consegue se passar por ciência: o Reiki

Fonte: Campelog
Autor: Felipe Campelo
Editor: Eduardo Patriota Gusmão Soares
Reiki - o poder da impostação das mãos 

Introdução: Para entender as alterações biológicas do reiki, o psicobiólogo Ricardo Monezi Julião de Oliveira testou o tratamento em camundongos com câncer. “O animal não tem elaboração psicológica, fé, crenças e a empatia pelo tratador. A partir da experimentação com eles, procuramos isolar o efeito placebo”, diz. Para a sua pesquisa de mestrado na USP, Monezi escolheu o reiki entre todas as práticas de imposição de mãos por tratar-se da única sem conotação religiosa.

Depois de sacrificados, os animais foram avaliados quanto a sua resposta imunológica, ou seja, a capacidade do organismo de destruir tumores, de acordo com o tratamento recebido (impostação x placebo). Os resultados mostraram que, nos animais do grupo “impostação”, os glóbulos brancos e células imunológicas tinham dobrado sua capacidade de reconhecer e destruir as células cancerígenas.
Isso me impressionou, confesso. Como um trabalho assim é aprovado numa banca de mestrado da USP? Assume-se que o trabalho tenha atendido às exigências da academia e seu conteúdo seja válido e procedente. Mas, talvez, a banca examinadora não tenha conhecimento de diversos trabalhos já feitos na área. Antes de começar a montar uma pesquisa a respeito, Fábio Campelo escreveu em seu blog um breve texto refutando alguns pontos centrais da pesquisa, bem como nos trouxe referência de muitos estudos que apontam para resultados inconclusivos ou definitivamente nulos quanto à eficácia do reiki.

Um ótimo texto para quando você precisar discutir com os terapeutas “alternativos”.

*****************************

Antes de passar à discussão, convém definir o que é Reiki. De acordo com o artigo da Wikipédia(a) (traduções e grifos meus):
(Reiki é uma prática espiritual desenvolvida em 1922 pelo budista Japonês Mikao Usui. O Reiki utiliza uma técnica comumente conhecida como cura pelas mãos como uma forma de medicina alternativa e complementar, e é ocasionalmente classificada como medicina oriental por entidades profissionais. Através do uso desta técnica, o praticante de Reiki afirma poder transferir energia curadora, na forma de ki, através das palmas das mãos.)

Em outras palavras, o praticante de Reiki abre as mãos sobre uma determinada parte do corpo, se concentra, e afirma poder manipular ou transferir energias vitais para o paciente, de forma tratar e curar as mais diversas moléstias. Isto torna o Reiki parte de uma corrente conhecida como Vitalismo, cuja premissa é a existência de algum tipo de energia vital que pode ser manipulada ou alterada por adeptos ou praticantes de certas artes. O fato de nenhuma destas energias vitais – ou seus efeitos – jamais terem sido observadas de forma objetiva em mais de 200 anos de investigação científica (Ben Franklin e outros cientistas já investigavam uma modalidade de vitalismo conhecida como magnetismo animal no final do século XVIII, com conclusões fortemente negativas) coloca a plausibilidade prévia deste tipo de modalidade em um valor bastante baixo. Para maiores informações, sugiro ler aquiaqui,aquiaqui, e principalmente aqui (este último fala de Emily Rosa, a pessoa mais jovem a publicar um artigo no prestigioso Journal of the American Medical Association, descrevendo o protocolo e testes utilizados para examinar uma modalidade conhecida como toque terapêutico, extremamente similar ao reiki).

Reiki na Literatura Científica
Suponhamos entretanto que possamos ignorar o fato de que estas energias jamais foram detectadas e que não há qualquer plausibilidade fisiológica ou física para sua existência. Dezenas de estudos foram realizados para testar a eficácia do Reiki (e outras modalidades de vitalismo) ao longo dos anos. O que a literatura médica tem a dizer quanto a isto?

Uma revisão da literatura publicada em 2008[1] examinou 205 estudos potencialmente relevantes utilizando Reiki para o tratamento de uma série de moléstias. Dentre estes 205 estudos, apenas 9 possuíam os critérios mínimos de qualidade metodológica para inclusão na análise (randomização, cegamento duplo, descrição detalhada do protocolo utilizado, etc.). Os critérios de seleção empregados na revisão foram:

(Testes randomizados e controlados foram incluídos no estudo nos casos onde o estudo foi conduzido em humanos, tanto recebendo somente reiki quanto reiki associado a uma modalidade convencional de tratamento. Testes onde o reiki foi comparado contra qualquertipo de grupo controle foram incluídos. Testes onde o reiki foi utilizado como parte de intervenções complexas [N.T.: isto é, em associação com muitos outros fatores ou tratamentos] foram excluídos. Estudos onde o objetivo era desenvolver metodologias dos procedimentos de reiki, sem variáveis clínicas de resposta definidas, foram excluídos. Aqueles que não reportaram dados ou comparações estatísticas também não foram utilizados. Restrições de língua não foram impostas. Dissertações e resumos foram incluídos. Cópias impressas de todos os artigos foram obtidas e estudadas completamente.)

Após o agrupamento dos dados e subsequente análise dos dados, os autores concluíram:

(Concluindo, a evidência é insuficiente para afirmar que o reiki seja um tratamento efetivo para qualquer condição. Assim sendo, o valor do reiki [N.T.: enquanto terapia] permanece sem provas.)

Em uma outra revisão da literatura publicada no próprio Journal of Alternative and Complementary Medicine[2] (que não é sequer um dos mais rigorosos em termos de evidência) concluiu que:

(As severas limitações metodológicas e de publicação dos escarsos estudos existentes sobre reiki não permitem alcançar qualquer conclusão definitiva a respeito de sua eficácia.)

Outros estudos de grande volume a respeito do uso de reiki para intervenções diversas foram organizados pelo National Center for Complimentary and Alternative Medicine, e são listados no NCCAM Watch. Os resultados obtidos também são pouco animadores:

Reiki para tratamento de fibromialgia:
Encerrado em 2005.
Conclusões: reiki não foi considerado eficaz no tratamento de fibromialgia.

Reiki em pacientes com AIDS em estágio avançado:
Concluído em 2003.
Conclusões: os resultados não foram publicados na literatura (o que já diz muita coisa).

Reiki para neuropatia dolorosa e fatores de risco cardíaco:
Concluído em 2004.
Conclusões: os resultados não foram publicados na literatura (de novo, já diz muita coisa).

Qualquer um familiar com a literatura científica, e em particular com a literatura médica, consegue entender claramente o que está implicado em todas estas conclusões: a despeito dos quase 90 anos de prática, não há na literatura nenhuma evidência que o reiki funcione melhor que um placebo similarmente aplicado, e que qualquer efeito específico se deve à sugestão do paciente (ou à autosugestão do praticante). Mais recursos para o leitor interessado podem ser encontrados aqui (em texto) e aqui (episódio 29 do excelente podcast Quackcast).

Os Experimentos da Revista Galileu
Mas e os experimentos descritos na reportagem da Galileu? Não representariam uma nova vertente na pesquisa do reiki? (a esta altura, o leitor observador já deveter percebido quepesquisa do reiki provavelmente é uma área tão científica quanto aerodinâmica de unicórnios). Bem, como diria Mark Crislip, lets look at the facts:

A reportagem trata principalmente dos experimentos do psicobiólogo (!) Ricardo Monezi a respeito dos supostos efeitos do reiki em ratos com câncer induzido. Nas palavras de Monezi:
“O animal não tem elaboração psicológica, fé, crenças e a empatia pelo tratador. A partir da experimentação com eles, procuramos isolar o efeito placebo”
Reiki (quase um Hadouken)
Monezi, que segundo seu CV Lattes trabalhou com metodologia experimental, de cara já coloca uma afirmação que não é tecnicamente verdadeira: animais estão sujeitos *sim* a efeitos similares ao placebo! Este fenômeno é conhecido já há bastante tempo na pesquisa veterinária e médica, e é muito bem explicado aquiaqui e aqui. De forma breve, o placebo não precisa ocorrer necessariamente no indivíduo (humano ou não) receptor do tratamento. No caso de pesquisa com animais, por exemplo, estudos que não sejam duplo-cegos (ou seja, onde o animal de teste não sabe se recebeu tratamento ou controle, mas o administrador da intervenção sabe), observação seletiva e tendências pessoais (a famosa e quase inevitável tendência à confirmação) são praticamente garantidos.

Há outras formas através das quais efeitos similares ao placebo podem ocorrer em pesquisas com animais, mas não vou me alongar demais nisto: quero chamar a atenção aqui é para o fato de que, de acordo com o que podemos inferir da reportagem, os experimentos de Monezi carecem exatamente do tipo de controle duplo-cego que menciono acima, o que – como expliquei – abre as portas para a infiltração de todo tipo de tendência pessoal nos dados.

A métrica de avaliação dos resultados descrita (capacidade do organismo de destruir tumores) é vaga o bastante para não permitir uma discussão mais a fundo em relação a este aspecto. Quaisquer que sejam as especificidades da métrica utilizada, entretanto, o não-cegamento do experimentador invalidaria completamente o protocolo experimental utilizado.

Outra razão para uma saudável dose de ceticismo é o fato de o trabalho descrito na reportagem não ter sido publicado em nenhuma revista científica com revisão por pares – muito menos naquelas em que resultados tão impressionantes como os relatados deveriam estar – JAMA, NEJM, talvez até a Nature. Embora o pesquisador tenha defendido sua dissertação de mestrado sobre o assunto, o fato de seus resultados não terem sido publicados na literatura técnica especializada (onde estariam sujeitos às críticas e comentários da comunidade científica em geral) não costuma ser um indicador de qualidade em pesquisa.

Examinando um pouco mais de perto a dissertação do Ricardo Monezi (onde os experimentos comentados na Galileu são relatados), observei alguns outros aspectos perturbadores:

1) a revisão da literatura em terapias energéticas é feita de forma completamente crédula, sem nenhuma referência a trabalhos refutando estas modalidades (como, por exemplo, o da Emily Rosa no JAMA);
2) o tamanho amostral utilizado (20 indivíduos/grupo) foi pequeno o suficiente para que flutuações estatísticas pudessem ser significativas, mesmo descontando os outros problemas metodológicos;
3) como eu havia suspeitado, na descrição da metodologia utilizada não há nenhumamenção ao cegamento dos experimentadores ou dos responsáveis pelas análises posteriores. Ao contrário, a descrição do procedimento inclui as seguintes imagens, também reproduzidas na reportagem da Galileu:
Fotos do experimento com Reiki
Nem sinal de cegamento do experimentador

4) não há também nenhuma referência a medidas para prevenir contaminação cruzada das amostras;
5) O teste estatístico utilizado (Student t) requer a satisfação de premissas fortes, que não foram validadas durante ou após a análise estatística (normalidade, igualdade de variâncias, independência das amostras).
5.a) Nota 1: os dados reportados na dissertação me permitiram verificar a premissa da normalidade para a maioria dos conjuntos. Entretanto, a premissa de isoscedasticidade – isto é, igualdade de variâncias – foi violada brutalmente em todos os testes realizados, o que possivelmente implica na não-validade do teste-t utilizado, a menos que precauções extras tenham sido tomadas – o que não foi reportado no texto.
6) Ainda na parte da análise estatística: o autor falhou em corrigir seus valores de significância para múltiplas hipóteses. Além disto, o trabalho testa uma grande quantidade de hipóteses mal-definidas, frisa aquelas onde anomalias foram observadas, e busca – na discussão final, a posteriori da execução dos experimentos – ajustar quaisquer conjecturas às observações, o que é uma prática falaciosa de análise conhecida como caça por anomalias;

Conclusões

Os experimentos e resultados relatados na revista Galileu não fornecem evidências suficientes para quaisquer afirmações a respeito do efeito do Reiki em ratos com tumores. A literatura médica possui refutações bastante definitivas desta prática, tanto de um ponto de vista de plausibilidade biológica quanto de efeitos clínicos. Reiki é uma modalidade de pensamento mágico pré-científico, e pessoas deveriam gastar seu tempo ou dinheiro com coisas mais produtivas e eficientes.
Para aqueles que tem o hábito de argumentar que “pelo menos não faz mal”, sugiro uma consulta cuidadosa aos arquivos do What’s the Harm.

(a) - Em tempo: o artigo da Wikipédia em Português é escrito a partir de um ponto de vista completamente crédulo em relação às medicinas alternativas em geral, e ao Reiki em particular. O artigo equivalente na Wikipedia em Inglês, geralmente muito mais bem embasada, traz uma seção sobre a completa falta de validade do Reiki de um ponto de vista científico.


[1] M. S. Lee, M. H. Pittler, E. Ernst, “Effects of reiki in clinical practice: a systematic review of randomised clinical trials“, International Journal of Clinical Practice 62(6): 947–54, 2008.
[2] S. vanderVaart, V.M.G.J. Gijsen, S.N. de Wildt, G. Koren, “A Systematic Review of the Therapeutic Effects of Reiki“, The Journal of Alternative and Complementary Medicine 15(11): 1157-69, 2009.

[fecha aspas]





Meu comentário

Não acho que quem acredita vá se deixar convencer por esses argumentos, e não pela credibilidade que eles tem; a questão aqui é exatamente o oposto. Quem acredita que Reiki funciona, não quer saber de argumentos, especialmente se eles demonstram a falácia que o movimento é.

Então, acho que esse artigo é bacana para as pessoas que pagam por esses tratamentos e acham que isso trará algum benefício. Faça um favor a si mesmo: guarde seu dinheiro para um bom médico, se é o que precisa.